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publicado dia 5 de junho de 2017

Dia Mundial do Meio Ambiente: Pressão urbana impõe desafios à sustentabilidade em São Paulo

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SELO cidade sustentavelNo Dia Mundial do Meio Ambiente,  os desafios que permeiam a construção de uma vida sustentável no planeta se apresentam cada vez mais complexos e longe de respostas simples e únicas. Em São Paulo, por exemplo, uma metrópole cujo espraiamento urbano é marcado pela criação de largas vias, pontes e edifícios, em detrimento das águas, árvores e dos animais que ali viviam,  a pressão que o desenvolvimento da cidade exerce sobre o meio ambiente parece criar um impasse: como proteger a natureza em um contexto de expansão urbana?

Para o Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, esse dilema pode ser verificado desde a chegada da família real portuguesa, em 1808, ao Rio de Janeiro. “A desigualdade entre centro e periferia não é exclusividade de São Paulo, mas um fenômeno das metrópoles brasileiras”, acredita. “Ainda enfrentamos o embate entre direito à moradia e preservação ambiental”, acrescenta, explicando que a histórica atuação do mercado imobiliário na definição da ocupação do espaço urbano no Brasil só serviu para aprofundar as desigualdades já existentes.

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São Paulo cindida

Dividida entre um centro plenamente urbanizado, com grande oferta de equipamentos públicos e uma periferia com baixa urbanização, sem saneamento básico e falta de equipamentos públicos, São Paulo tem suas bordas atravessadas por conflitos de moradia atrelados à questão ambiental.

Workshop

A Escola de Contas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo promoveu nesta segunda-feira (5/6) o workshop “A Cidade de São Paulo e Governança Ambiental”, com o objetivo de discutir as relações entre políticas urbanas e ambientais na formação de uma cidade sustentável. O Portal Aprendiz acompanhou o evento.

“O mercado imobiliário deixa de ter interesse nessas regiões, que perdem valor e ficam abandonadas e sujeitas a todo tipo de ocupação, grilagem e demais problemas”, descreve Santos. O Parque dos Búfalos, localizado no Jardim Apurá, ilustra como esse processo se dá nas periferias de São Paulo.

O terreno era uma fazenda que até 1992 acomodava os búfalos que dão nome ao local. Com a expansão populacional da região, começou a ficar perigoso manter os ruminantes por ali. A ausência dos animais deu lugar à ocupação do terreno pelas pessoas que lutaram durante a gestão do ex-prefeito Haddad para que as 13 nascentes, trechos de Mata Atlântica original e o pasto não fossem transformados em 3.800 unidades de habitação popular. Em abril deste ano, ao menos 30 dos 193 prédios já estavam prontos, dando por encerrada a disputa. Prefeitura e construtora garantem que 70% do terreno será destinado ao parque, mas lideranças comunitárias afirmam que a promessa ainda não saiu do papel.

Meio ambiente: uma agenda judicializada

A urbanização é apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos maiores desafios do século 21 para a área da saúde. Em um contexto no qual mais da metade da população mundial vive em cidades – no Brasil esse número atinge 84% –, não há dúvidas de que esse impacto tem sido negativo: o stress causado pelo trânsito, a ansiedade de se conseguir um emprego, o surto de obesidade por conta da falta de atividade física, as doenças respiratórias causadas pela poluição do ar – tudo isso potencializado pelos hábitos alimentares baseados em fast food e comidas industrializadas, compõem os resultados da rotina acelerada que se vive nas metrópoles.

Atualmente, a Promotoria tem 1.128 inquéritos civis e cerca de 500 ações em andamento que dizem respeito principalmente aos temas de loteamentos clandestinos e irregulares, invasões de terra, mobilidade urbana e ocupações de áreas públicas.  “A legislação ambiental é bastante rígida, mas vem se flexibilizando ao longo dos anos para poder, de alguma forma, fazer a regularização desses imóveis precários”, diz Marcus Vinicius, que criticou a forma como o plano diretor da cidade abordou a questão.  As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) do tipo I (que dizem respeito à moradia) criam espaços dentro do território urbano onde é possível flexibilizar as normas urbanísticas para regularizar as moradias precárias, mas ele defende que o dispositivo deveria ter incluído o centro.

“Numa cidade onde sabidamente temos grandes espaços vazios no centro urbano era de se esperar que o Plano Diretor atraísse o público das periferias de volta para o centro da cidade, ainda mais em um governo de esquerda. Mas o que vimos é que mais uma vez o mercado imobiliário acabou ditando as regras do jogo”, disse.

Santos é um defensor da participação direta das comunidades periféricas na elaboração de ações e políticas visando integrá-las à cidade e efetivar seus direitos e enfatiza que, sem a participação dos envolvidos, todas as soluções serão apenas paliativas. Outro aspecto destacado pelo promotor diz respeito ao fato de que as áreas de preservação ambiental não estão restritas ao território do município de São Paulo, portanto, as soluções devem articular também os entes estaduais e federais e a região metropolitana.

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“Fora isso, apenas o Ministério Público e o Judiciário não vão resolver o problema sozinhos. Não precisamos mudar as leis para isso acontecer, já temos um arcabouço normativo suficiente para enfrentar o problema ambiental e sua relação com as pressões urbanas. O que precisa é de vontade política para corrigir as distorções geradas pelas desigualdades”, afirma Santos sobre a judicialização de algumas causas ambientais.

Rio Sorocaba vIsto do Parque Campolim; limpeza do curso d'água foi uma das prioridades do CIdade Educadora, Cidade Saudável.
Rio Sorocaba vIsto do Parque Campolim; limpeza do curso d’água foi uma das prioridades do CIdade Educadora, Cidade Saudável.

Água: direito ou commoditie?

Outro exemplo recente de como São Paulo tem lidado com a proteção ambiental é a crise hídrica enfrentada entre 2014 e 2016. Além da visão comercial que se tem sobre o recurso natural, o planejamento do abastecimento não tem levado em conta a demanda real do estado de São Paulo. Para se ter uma ideia, as previsões da ONU apontam um aumento de 55% na demanda global, revelando que a água não é e nem será apenas um problema da capital paulista.

A desigualdade entre centro e periferia não é exclusividade de São Paulo, mas um fenômeno das metrópoles brasileiras

“A região metropolitana de São Paulo tem 39 municípios, sendo que 31 deles pertencem ao mesmo sistema integrado de abastecimento de água e que é operado por uma única empresa – a Sabesp”, avalia o engenheiro civil e sanitarista pela Unicamp, Sebastião Ney Vaz Junior. De acordo com ele, essas empresas costumam tratar a água como commoditie e não como direito e, no caso de São Paulo, só olharam para os problemas quando uma grande crise de abastecimento já havia se instalado.

“Depois da crise, passamos a depender um pouco menos do sistema Cantareira, mas não é o suficiente. Nós tivermos que entrar em um colapso para que fosse repensada a demanda. Hoje, olhamos apenas para a produção (no caso, as chuvas), sem olhar, por exemplo, para o nosso sistema de perdas que é altíssimo. A cada 100 litros de água que entram no sistema, perdemos 50 ou até 60 para vazamentos e coisas afins”. Dessa maneira, mesmo sendo rico em recursos naturais, o Brasil caminha para um cenário em que a demanda de água será maior do que a oferta.

Na opinião do sanitarista e ativista da área, é necessário maior fiscalização e transparência dos governos e uma gestão eficiente dos recursos hídricos. “Enquanto a gente não pensar em medidas mais eficazes para diminuir a dependência do sistema de produção, não vamos chegar a lugar nenhum”, defende.

Cidadãos se manifestam em frente ao Parque Augusta.
Cidadãos se manifestam em frente ao Parque Augusta, área verde em disputa no centro de São Paulo.

Como reverter esse cenário?

Dentre todos os debates na área ambiental, um tema parece emergir como consenso: a proteção ambiental deve estar articulada ao desenvolvimento social e econômico dos territórios. A professora Angélica Tanus Benatti Alvim, diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, vê nos recursos hídricos de São Paulo essa potencialidade: “A metrópole de São Paulo tem 53% de seu território em área de mananciais. Não podemos pensar a governança do município sem pensar nestes mananciais, pensar a bacia hidrográfica é pensar a gestão integrada da metrópole.”

As áreas dos reservatórios Billings e Guarapiranga, hoje totalmente ocupadas e com intensa atividade econômica, mesmo depois de leis protecionistas para a região, são marcas vivas e reais desse fenômeno. “Historicamente, nossa lógica foi de desenvolvimento industrial associado à produção de energia elétrica. Não quer dizer que não era importante na época, mas nossas represas foram construídas para abastecimento elétrico e não do público. Como vamos conciliar e chegar a esse equilíbrio?”, indaga.

Para que a convivência harmônica entre seres humanos e natureza avance, Angélica propõe o tripé “conservar, preservar e recuperar”, enfatizando que a ideia de recuperação é a que melhor se aplica em ambientes urbanos. “Recuperar não é necessariamente trazer de volta os rios, mas tentar trazer o que é possível: aumentar as áreas verdes da cidade, implantar corredores verdes, construir um modo de vida mais harmônico”, esclarece.

uma prática precisa integrar para inovar

Segundo a professora, os instrumentos de conservação e preservação do território têm que estar articulados às ferramentas de intervenção. “É fundamental que a governança ambiental esteja associada ao planejamento ambiental e leve em conta a capacidade de sustentação dos ecossistemas a nível local e regional.”

O avanço da metrópole em cima da cabeceira do Rio Tietê, por exemplo, já causa seca na bacia hidrográfica, sendo necessário emprestar água da bacia hidrográfica do Piracicaba para abastecer a região. “A bacia hidrográfica precisa ser pensada como um espaço territorial, não só por onde as águas escoam, mas onde há habitat, é parte da cidade e tem gente morando.”

Rio de piracicaba
Rio Piracicaba, que abastece o Sistema Cantareira, em São Paulo.

Intersetorialidade: desafio das cidades

A mudança também deve ocorrer na política urbana, hoje centralizada e construída de cima para baixo. Angélia corrobora a visão do promotor de Justiça, Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, sobre a necessidade de participação social real. “Esse é um processo que não pode ser imposto e sim construído historicamente por meio de participação social, em um sistema contínuo de aperfeiçoamento”, avalia, lembrando que a recente democracia brasileira se vê refém, muitas vezes, de ações projetadas apenas de 4 em 4 anos. “É preciso construir uma política urbana duradoura”, enfatiza.

Para o sociólogo Américo Sampaio, representante da Rede Nossa São Paulo, uma agenda pode ser considerada sustentável, qualquer que seja a cidade, uma vez que integre os diferentes setores governamentais, não ficando restrita apenas à Secretaria do Verde e Meio Ambiente. É preciso ainda, do ponto de vista da gestão pública, um compromisso com a transparência, o monitoramento e avaliação das ações, atrelados a um processo permanente de controle social.

“Em matéria de desenvolvimento sustentável e gestão pública, nós já naturalizamos que há uma cisão, de maneira que essa agenda fica compartimentada. O Secretário de Finanças não tem nada a ver com sustentabilidade”, analisa. “Por isso, necessariamente, para ser inovadora, uma prática precisa integrar para inovar. E ser transparente e fazer uso dos muitos indicadores à disposição. Existir esses indicadores existem, o difícil são as gestões fazerem uso.”

 

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