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publicado dia 18 de julho de 2017

Museu do Ontem revela as histórias esquecidas da zona portuária do Rio de Janeiro

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O que a chegada da família real portuguesa, o maior ponto de compra e venda de escravos do Brasil, o assassinato do estudante Edson Luís durante a ditadura militar e a propina de R$52 milhões recebida por Eduardo Cunha têm em comum? Todos aconteceram na zona portuária do Rio de Janeiro e agora podem ser (re)descobertos com o Museu do Ontem, aplicativo lançado pela Agência Pública que pretende resgatar essas histórias e promover uma outra relação com esse importante território da cidade.

Alvo de grandes obras para as Olimpíadas do Rio, a zona portuária chamou a atenção da equipe dos Laboratórios de Inovação em Jornalismo (LABs) da Casa Pública, que procuravam uma área da cidade para ser explorada em forma de aplicativo, unindo jornalismo, arte, tecnologia e gamificação. Quanto mais debruçaram-se sobre a zona portuária, mais nítido ficava o potencial daquele território, que muitas vezes teve sua história, literalmente, escondida embaixo da terra.

Foi em 1996, escavando por acaso o quintal de sua casa na Rua Pedro Ernesto, que os moradores Merced e Petruccio descobriram ossos de escravos,  em uma região que hoje sabe-se ter sido um cemitério secular de negros vindos da África e onde cerca de 30 mil pessoas foram enterradas. Atualmente, o local corresponde à sede do Portal Arqueológico dos Pretos Novos. Na mesma região, descobriu-se também, em 2012, o maior porto de compra e venda de escravos do Brasil, com estimativas que chegam a 700 mil pessoas negociadas no local. E esses são apenas alguns dos tesouros escondidos na zona portuária e que podem ser explorados por meio do Museu do Ontem.

Zona Portuária do Rio de Janeiro atualmente: alterações urbanísticas retificaram seu contorno
Zona Portuária do Rio de Janeiro atualmente: alterações urbanísticas retificaram seu contorno

Para a implementação do Porto Maravilha, um dos símbolos da Rio 2016, e do Museu do Amanhã, o local passou por inúmeras obras, numa chamada “revitalização”, termo com o qual Mariana Simões, gerente da Casa Pública, discorda. “Essa é uma expressão que indica que não havia vida antes no local, o que sabemos que não é o caso da zona portuária”, diz ela. Não só havia vida, como havia resistência às alterações urbanísticas e desapropriações, que já acontecem muito antes do país sediar os Jogos Olímpicos.

O passado do Porto do Rio é tão rico que é revoltante o quão pouco se fez até agora para lembrar esses episódios. – Natália Viana, diretora da Pública

 “Com a industrialização do país, a zona portuária ganhou importância estratégica e os interesses econômicos e industriais transformaram a área”, explica Mariana. “As Olimpíadas aceleraram um projeto que já vinha acontecendo. Houve um interesse de levar mais empresas e fazer daquela área abandonada uma região empresarial, movimento que já não se observa mais após os Jogos.”

Essa paisagem que mescla prédios antigos e muitas vezes abandonados às grandes obras e as histórias ali contidas foram o gatilho para o desenvolvimento do aplicativo, especialmente depois do Projeto 100, em que a equipe teve um intenso contato com famílias removidas por conta das Olimpíadas. A Zona Portuária é, segundo Mariana Simões, uma microesfera do que acontece no Rio de Janeiro e no país. “Além de abranger um grande período da história, é uma espécie de espelho da realidade, onde encontramos muitas características do que é o país hoje. Vemos a corrupção, a escravidão, a ditadura, tudo está contado ali.”

No Museu do Ontem, o usuário tem a possibilidade de comparar a atual configuração da região portuária com sua versão de 1830. Os séculos fizeram com que a região fosse retificada e suas nuances geográficas sumissem gradualmente. Os mapas e ilustrações são de autoria de Juliana Russo.

Criado pela Pública em parceria com o desenvolvedor holandês Babak Fakhamzadeh, o aplicativo traz também narrações da cantora Anelis Assumpção e trechos do livro 1808, de Laurentino Gomes, que reconta a chegada da família real portuguesa ao país.

A cidade a pé

Disponível gratuitamente para IOS e Android, o Museu do Ontem convida os usuários a explorarem a pé a região portuária, de maneira que descubram as histórias ali implícitas. Por isso, a escolha do holandês Babak Fakhamzadeh como desenvolvedor da ferramenta. Referência na criação de apps de exploração de cidades, Fakhamzadeh é defensor de que é preciso perder-se na cidade para conhecê-la melhor.

Ainda nesta perspectiva, os mapas do aplicativo lançado pela Pública não têm zoom e não podem ser acessados remotamente. Em outras palavras, é preciso estar no território para imergir na experiência de (re)descoberta da cidade. Conforme passam pelos pontos de referência, os usuários “destrancam” as histórias escondidas no Porto Maravilha, sendo instigados a continuar andando para conhecer mais segredos. “Queríamos um incentivo para as pessoas terem conexão com aquela área. Embora hoje haja alguma agenda cultural, as pessoas ainda não costumam andar pelo Centro e ver suas atrações”, define Mariana Simões.

Foto: Cesar Itiberê/FotosPublicas
Foto: Cesar Itiberê/FotosPublicas

As criadoras do Museu do Ontem não escondem a vocação turística do aplicativo, ainda que – e talvez principalmente – por ter um viés diferente do tradicional, já que resgata também períodos sombrios da história brasileira. Além da visita livre pela região, a ferramenta disponibiliza cinco tours guiadas com diferentes temáticas: Corrupção, Terror, Samba, Fantasmas que assombram o centro e História do Brasil Express.

Até agora, com menos de um mês de lançamento, já foram realizados mais de 2200 downloads e, em agosto, deve ser lançada uma versão mais simples com a possibilidade de tours remotas. O foco, entretanto, continua sendo a exploração in loco. Pois, como resume a gerente da Casa Pública,  “é uma forma das pessoas saírem um pouco de sua zona de conforto e explorarem com o pé no chão uma outra parte da nossa história.”

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