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publicado dia 17 de abril de 2018

Babaçu: da floresta para a merenda

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Por Roberto Almeida, jornalista do ISA

Um vatapá no Xingu pode ser feito assim. Primeiro aqueça o dendê, refogue os temperos e acrescente o frango desfiado. Vá mexendo bem até lançar a novidade: farinha do coco babaçu diluída no leite. O amido desta farinha, mais nutritiva que a de trigo, faz encorpar o vatapá. Então deixe ferver, acrescente o leite de coco, prove o sal, corrija, decore com coentro e sirva.

O Instituto Socioambiental (ISA) tem como foco central a defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e aos direitos dos povos. Desde o início de 2018, é parceiro de conteúdo do Portal Aprendiz.

O modo de preparo, tão simples, com a mudança de apenas um ingrediente, oferece uma opção para o vatapá local, que presta homenagem à floresta. E pensar que a farinha de babaçu era um mistério. Ninguém sabia muito bem como usar. Hoje, ela é aliada das crianças nas escolas, dos pacientes de hospitais e casas de acolhimento da região, com benefícios diretos para quem consome?—?e para quem produz.

A nova receita, entre tantas outras de bolos, tortas e biscoitos, já está nas mãos de mais de 200 merendeiras, cozinheiras, nutricionistas e agentes públicos dos municípios paraenses de Altamira, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Uruará, Brasil Novo, Porto de Moz e Medicilândia?—?a maioria impactada diretamente pela Usina Hidrelétrica Belo Monte?—?além de gestores estaduais da capital, Belém.

Eles participaram, entre os dias 6 e 7 de dezembro de 2017, das palestras e oficinas do curso “Da Floresta para a Merenda!”, facilitado pela chef de cozinha natural e apresentadora Bela Gil e pela nutricionista Neide Rigo em parceria com as associações extrativistas da Terra do Meio, as prefeituras de Altamira e Vitória do Xingu e o Instituto Socioambiental.

merendeiras do Xingu
Merendeiras de municípios do Médio Xingu acompanham as oficinas com Bela Gil e Neide Rigo.

“O vatapá ficou uma delícia. Substituir o trigo pelo babaçu foi ótimo”, afirmou Raimunda Barbosa de Carvalho, merendeira da Escola Municipal Aliança Para o Progresso, em Vitória do Xingu. “O babaçu é natural, muito melhor, nutritivo, da nossa região, não tem química.”

A merendeira Evancléia Alves, da Escola Municipal Eurico Krautler, em Vitória do Xingu, chamou a atenção para a importância de se manter a cultura local na alimentação escolar. “Tudo o que a gente aprende a fazer, aprende a fazer com amor. Agora a gente pode fazer com a farinha bolos, biscoitos e o vatapá, que aqui na nossa região é muito bem aceito.”

“Vamos mostrar para o pessoal que a gente pode viver da floresta sem destruir a floresta”, diz a cantineira Raimunda Rodrigues

Para os extrativistas e cantineiros que trabalham na produção da farinha de babaçu na Terra do Meio, no Pará, a chegada das convidadas para facilitar a oficina deixa todos otimistas com as novas possibilidades de escoar a produção e manter a proteção de seus territórios, ameaçados por grileiros e madeireiros.

“Faz oito anos que trabalhamos com o mesocarpo [a parte do coco babaçu que produz a farinha]”, disse Raimunda Rodrigues, cantineira na localidade do Rio Novo, no Rio Iriri. “A gente quer levar a farinha para merenda escolar, para os hospitais. Vamos mostrar para o pessoal que a gente pode viver da floresta sem destruir a floresta.”

 

Conhecimento e adesão

A farinha de babaçu ganhou recentemente espaço na compras municipais para merenda escolar de Altamira, Vitória do Xingu e Uruará.

Com alto valor nutritivo, sem glúten, rica em ferro, fibras solúveis e taninos, além de vitaminas e minerais que outros amidos puros não têm, e com alto valor florestal, produzido sem insumos agrícolas e agrotóxicos, ela se tornou um dos poucos componentes da merenda que trazem benefícios diretos às crianças, às comunidades próximas aos municípios e à economia local.

Segundo dados do Censo Escolar 2016, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), os os três municípios contam com pouco mais de 40 mil alunos matriculados nos ensinos infantil e fundamental. Todos potenciais beneficiados pela mudança no cardápio. No entanto, houve dificuldades quanto ao uso do produto. A farinha de babaçu era uma novidade ainda não incorporada às receitas locais das escolas.

quebradeira de coco babaçu
Quebradeira de coco babaçu. Foto: Lilo Clareto/ ISA

Altamira fez em 2017 uma primeira compra de duas toneladas. Vitória do Xingu comprou 1,2 tonelada. E Uruará, primeiro município a adquirir farinha de babaçu, 400kg. O uso, porém, estava em boa parte restrito a mingaus, e o desafio, aceito por Bela Gil e Neide Rigo, era transformar a farinha de babaçu em um ingrediente-chave para receitas do dia a dia.

“Foi um desafio apaixonante. É muito bom quando se pega um produto novo que tem potencial na cozinha”, disse Neide Rigo, que já havia trabalhado com merendeiras no semiárido  antes de realizar o trabalho em Altamira e Vitória do Xingu. “Logo se vê as semelhanças com outras farinhas, com a vantagem de trazer outro sabor, quase amendoado, e uma cor diferente, parecida com o cacau.”

Neide preparou, em conjunto com merendeiras e cozinheiras, receitas de bolos, tortas, vatapá, manjar, chocolate quente e mingau?—?todos com uma base de farinha de babaçu.

“Valorizamos o trabalho das merendeiras. Elas não são coadjuvantes. Muitas vezes, elas têm que decidir o que fazer e como fazer. Para ter adesão, a gente tem que encontrar uma forma de se aproximar, a partir de receitas a que elas já estão acostumadas”, afirmou.

Para Bela Gil, que também preparou bolos, tortas salgadas e sobremesas (veja receitas abaixo), a discussão da entrada da farinha de babaçu e outros produtos da floresta na merenda passa por um olhar atento às políticas públicas. “Só assim a gente consegue o objetivo de levar produtos da biodiversidade local para a mesa das crianças”, disse.

“A mini-usina foi feita e é gerida por uma família. Você vê que está comprando um produto que beneficia uma comunidade. Cada um do seu jeito, no seu estilo, produzindo uma quantidade que é suficiente para viver. Isso resume o valor que a castanha e a farinha de babaçu têm”, afirmou a apresentadora.

O cumprimento da lei

A lei já existe, é a nº 11.947/2009, mas seu cumprimento é uma ficção em boa parte dos municípios brasileiros. O texto determina que no mínimo 30% do valor repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) deve ser utilizado para a compra de produtos da agricultura familiar, com prioridade a assentamentos da reforma agrária, comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas.

“Nós estamos perdendo o que de mais rico temos. Bela Gil usa o babaçu em São Paulo e nós pouco usamos em nosso Estado, em nossa região. Não podemos perder a riqueza de uma cultura alimentar amazônica, que nos fortalece”, afirmou em discurso Rubens Cordeiro, diretor do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Pará.

“Passamos a ingerir alimentos que a mídia coloca que são saudáveis?—?e não são saudáveis”, lamentou. “Alimentos saudáveis são os que produzimos em nossas próprias florestas, nas nossas áreas ribeirinhas, quilombolas, indígenas e extrativistas. Essa é a verdadeira alimentação.”

Merendeiras
Oficinas, preparos, resultados: a versatilidade e o rendimento da farinha de babaçu nos preparos trouxe novos caminhos para a merenda. Foto: Lilo Clareto/ISA

Até o momento, Altamira não atinge o gasto percentual do PNAE, mas promete melhoras. “Nós iniciamos o processo de introdução da farinha de babaçu na alimentação escolar no primeiro semestre. Como foi dito, é uma questão cultural. Nós tivemos, em algumas escolas, uma boa aceitação. Outras estão em fase de adaptação. Como é um produto em fase experimental, estamos diversificando as receitas, porque realmente é um produto com valor excepcional”, afirmou Suely Rodrigues, secretária de Educação de Altamira.

“É alimento de verdade. São nutrientes, vitaminas e minerais que as crianças precisam”, reforçou Taissa Dias, nutricionista do município.

Ao mesmo tempo, Vitória do Xingu comemora o uso de 100% do recurso do PNAE para comprar produtos da agricultura familiar. Daniele Damasceno de Almeida, nutricionista responsável pela merenda, é grata ao apoio dos secretários de Vitória do Xingu para alcançar a marca.

“Todos nós queremos o melhor, queremos respeitar a lei, mas isso depende de gestores. Tenho certeza que muitos queriam ter esse apoio que eu tenho”, afirmou.

A entrada da farinha de babaçu na merenda passou por um teste de aceitabilidade com as crianças?—?com sucesso. Mas o que mais a impressionou foi o rendimento do produto. “Quando fizemos o teste [com a farinha de babaçu] a gente viu que meio quilo serviu mingau para 40 alunos. Imagine isso: um produto da agricultura familiar, que respeita a lei federal e rende tanto assim. É bom, bonito e barato”, exaltou.

Para os extrativistas, os caminhos estão abertos para aumentar a produção da farinha e de outros produtos da floresta. “A comunidade faz o quanto precisar. A gente gostaria de ver em todas as escolas dos municípios da região”, disse Rubenildo Barros Vianna, o Miudinho, cantineiro da localidade Bela Vista, na Reserva Extrativista Rio Xingu.

Novos cardápios na cidade

Sorvete de açaí com farinha de babaçu (Restaurante Aquariu’s), pão ciabatta com farinha de babaçu (Bistrô Zion), panquecas (Restaurante Casanova), chocolate quente com babaçu (Cacauway), pães (Cozinha do Sol) e até sushi com farinha de babaçu (Sara Sushi) foram apresentados durante o evento “Da Floresta para a Merenda”, no auditório da Associação Comercial Industrial e Agropastoril (Aciapa), em Altamira. Uma mudança de olhar e tanto, já que o ingrediente não estava incorporado nos cardápios da região.

Hoje, a farinha de babaçu é comercializada em Altamira no Zion Café e Bistrô, no Box Amazônia e Mata Atlântica do Mercado de Pinheiros, em São Paulo, e na loja online do Instituto Socioambiental.

Babaçu
Experimentações de restaurantes de Altamira mostram a versatilidade da farinha de babaçu em diversas receitas. Fotos: Lilo Clareto/ISA

Confira abaixo uma receita elaborada com farinha de babaçu, por Bela Gil e Neide Rigo

Chef de cozinha natural e nutricionista trabalharam com listas de ingredientes disponíveis para as merendeiras das escolas da região de Altamira, no Pará.

 

Vatapá de frango (Por Neide Rigo)

1 colher (sopa) de azeite de dendê
1 colher (sopa) de coentro e cebolinha picados
1 tomate picado
1 pimenta-de-cheiro picada
½ colher (sopa) de colorau (corante natural à base de urucum)
1 cebola picada
250 g de frango cozido e desfiado
1 xícara de leite
1 colher (sopa) rasa de farinha de babaçu
1 xícara de leite de coco
Sal a gosto

Refogue no azeite de dendê os temperos, junte o frango, mexa e aos poucos acrescente o leite com a farinha diluída. Mexa bem e, quando engrossar, acrescente o leite de coco. Deixe ferver e engrossar, prove o sal e corrija, se necessário.

Decore com coentro e sirva.

Rende: 4 porções

Obs: multiplique proporcionalmente de acordo com a quantidade de frango que tem. Se quiser aumentar o molho, acrescente mais leite com a farinha diluída. Se preferir mais vermelho, aumente o colorau e não o azeite de dendê, pra não ficar muito calórico.

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