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publicado dia 17 de janeiro de 2019

O que está por trás do aumento da tarifa de ônibus em São Paulo?

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Em janeiro de 2019, a prefeitura de São Paulo anunciou o quarto aumento da tarifa dos ônibus desde as manifestações de 2013: de R$4,00 para R$4,30, o que representa um acréscimo de 7,5% com relação ao ano anterior.

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Aumento da tarifa dos transporte impede direito à cidade, afirmam ativistas

Como justificativa, a prefeitura afirmou em nota que o aumento é baseado na inflação acumulada dos três últimos anos. Mas, como rebateu o jornal Estadão em matéria publicada em dezembro de 2018, se o adicional ocorresse apenas pelo aumento geral de preços, a passagem custaria R$3,82.

A adição de centavos a uma já cara tarifa suscita não somente os tradicionais – e reprimidos – protestos de movimentos como o MPL (Movimento Passe Livre), mas também o questionamento se o aumento é necessário e, em caso positivo, como se converte em melhorias no direito ao transporte e no direito à cidade.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, Rafael Drummond, jornalista, planejador urbano, membro do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT) e do ap? – Estudos em Mobilidade, fala sobre o porquê da tarifa estar tão alta, os imbróglios das licitações e da importância da população se inteirar, estudar e se mobilizar na cobrança por um transporte acessível:

pessoas dentro do ônibus
Ônibus é responsável pelo transporte de pelos menos 47% da população / Crédito: Igor Schultz

Portal Aprendiz: O que justifica o aumento da passagem em São Paulo?

Rafael Drummond: Temos uma cultura bem arraigada, e isso é perceptível desde o começo do transporte público e da discussão da tarifa na cidade de São Paulo, de que é um direito das empresas de ônibus cobrirem seus custos em cima do usuário. E que somente o usuário é responsável pelo pagamento desse serviço e que as empresas não podem ter o menor risco de prejuízo ou de cortar gorduras necessárias da ineficiência de seu sistema. Desde os anos 1990, existe a cultura de aumentos sistemáticos sem ter um grande questionamentos do custo real do serviço.

A minha percepção – e ainda não há números suficientes para dizer – vendo o volume de custo do sistema que só aumenta é de que o lucro das empresas está muito alto. Tanto que um dos maiores grupos de ônibus da cidade, o Grupo Ruas, cujo empresário é dono da Viação Campo Belo, do Grupo VIP e de tantos outras empresas, está investindo na Ótima, que é a empresa que controla a publicidade dos pontos de ônibus e também entrou com o Grupo CRR para comprar parte da Linha 4 do metrô.

O dinheiro está fluindo em favor dos empresários e não se discute ter uma política de subsídios séria, fontes de financiamento perenes e uma diretriz clara de para que servem os subsídios.

O que é subsídio?

É a concessão de dinheiro feita pelo governo a determinadas atividades (indústria,  transporte) com a finalidade de manter acessíveis os preços de seus produtos.

Hoje o subsídio é 40% do custo do sistema. Até novembro de 2018, São Paulo gastou R$3,2 bilhões, e a perspectiva é que se feche em R$3,5 milhões de subsídio. Ao longo de todo ano passado se gastou R$2,9 bilhões.

O sistema inteiro de transporte fechará em mais ou menos R$8,5 bilhões. É um custo bem alto. O problema do transporte não é simples de se tratar, mas é preciso abrir todos os números que estão por trás para que se enxergue uma solução e se transforme o que está sendo mercantilizado e deveria ser um direito.

Portal Aprendiz: As licitações têm taxas de lucro alta para as empresas e qualidade de serviço questionável, como você mesmo disse em entrevista ao Portal Aprendiz no começo do 2018. Já houve qualquer iniciativa por parte do poder público para pensar em outras alternativas que não as licitações?

RD: A licitação nova está no imbróglio se vai ou não vai. Há o prazo das empresas mandarem as propostas até o dia 22 de janeiro. Se não tiver nenhuma interferência do TCM (Tribunal de Contas do Município), até março São Paulo deve ter os novos contratos das empresas ou até pelo menos junho.

Mas, na verdade, a prefeitura está em modo automático desde o começo da gestão de João Dória. E já entrou em um modo que não pode mais ser sustentável. Antes havia o automático que era: a licitação original de 2003 tinha dez anos e era prorrogada por mais cinco. Então os dez anos venceram em 2013. As jornadas de junho barraram a licitação que ia acontecer com Fernando Haddad naquela época. Foi postergada e em 2018 terminou o contrato. Agora eles têm contratos emergenciais de seis meses. Em janeiro de 2019 já se está renovando o contrato emergencial para que mesmo, saindo ou não saindo, o sistema de ônibus não fique no limbo jurídico.

O que é licitação?

Em um processo de licitação, uma empresa é contratada para desempenhar um serviço público. No caso dos ônibus, ela assume a frota, a quantidade de automóveis e a qualidade do serviço prestado.

Isso cria situações que o TCM pode falar: ‘a prefeitura não pode mais ter contrato emergencial porque isso encarece o sistema mais do que o devido, e deve criar uma nova forma de licitação’. É possível questionar se será uma forma de concessão, uma forma de permissão, ou até mesmo o sistema de contrato direto.

Na concessão é preciso ter alguns mecanismos de investimento que no jurídico se chama de bens reversíveis: bens que a prefeitura no final toma como seu, um investimento que é repassado depois para a prefeitura como bem público. Os investimentos originais que deveriam ter acontecido nos terminais de ônibus são um exemplo.

Os ônibus não. O contrato diz que os ônibus são das empresas. As empresas muitas vezes os vendem para outras cidades, recuperando grande parte dos investimentos feitos neles. Não chega a ser um investimento tão pesado para eles, que precisa ser recuperado com o lucro da tarifa.

Um dos questionamentos do TCM dessa licitação é que a concessão que a prefeitura está propondo não exige tantos investimentos como uma concessão deveria exigir. O TCM também questionou o tempo da licitação. Existe uma lei na Câmara que foi aprovada na época do Haddad de que a licitação precisa ser de 20 anos. Antes era um tempo livre com o prazo limite de 10+5, que é na verdade o que aconteceu em 2013 e que venceu agora em 2018.

Portal Aprendiz: Existe uma nebulosidade entre o que a prefeitura afirma que justifica o aumento e o que parece ocorrer por trás dele. Isso dificulta a procura por informações e também alternativas sobre o que pode ser feito. 

RD: A jogada política é: principalmente em trânsito de governo, para ter o apoio da população, não se aumenta a tarifa. Isso acaba ajudando a justificativa da prefeitura de que ela precisa recuperar o período depois. E se verificado, os primeiros aumentos logo depois desses períodos são os maiores, aqueles que fizeram a tarifa ser mais alta do que a inflação acumulada. É um processo que talvez não seja tão maquiavélico, mas que acabou funcionando como.

Quando a prefeitura fala que precisa aumentar, é porque existe uma pressão real – desde 2003, quando começou o contrato, a inflação acumulada chega à uns 140% e o aumento do custo do sistema a 200%. O que acaba jogando contra a população é que esse problema real não é endereçado da forma correta. Ao invés de se pensar: “Eu como prefeitura tenho um problema real, um custo que aumenta mais do que a inflação, mais do que se tem capacidade de arrecadar, mais do que a capacidade da população consegue pagar”. Então é preciso encontrar onde está saindo água por esse ralo.

Ela pensa: “Então vamos colocar a tarifa mais alta para que se consiga cobrir partes”. Só que eles não estão conseguindo cobrir. O Haddad quando saiu da prefeitura em 2016 mandou uma proposta de subsídio de R$2,1 bilhão. No ano de 2016, o subsídio foi de R$2,5 bilhões, mais do que o orçamento estava prevendo. O Dória em 2017 mandou para a Câmara também que eles iriam querer pagar somente R$2,5 bilhões. No final a cidade pagou 2,9 bilhões.

Portal Aprendiz: O  aumento impacta o acesso ao transporte, e por consequência, o direito à cidade. Isso significa que as pessoas estão se deslocando de outra maneira, ou não estão se deslocando?

RD: A população não vai conseguir pagar os aumentos de tarifa. Já teve uma verificação que diminuiu o número de viagens em relação a 2017. É pequeno, de 1,5%, mas a expectativa era de que, tendo o aumento do custo do sistema, se transportariam mais pessoas. Não é isso que aconteceu.

Há pessoas que não estão se deslocando por conta do aumento. Em tempos de crise ainda não superada, o aumento da tarifa cairá nas pessoas desempregadas, que não vão conseguir sair de casa para buscar emprego, e as que estão no trabalho informal, que é cada vez maior.

O Metrô lançou alguns números da pesquisa Origem e Destino e já se verificou o aumento do que eles consideram táxis e aplicativos. Mas, se estamos falando de pessoas abandonando o transporte público por causa da tarifa, eu acredito que essa população não irá migrar para o Uber ou outros aplicativos.

Portal Aprendiz:  Essas tarifas altas de algum modo encontram materialização em aumento de linhas ou na sensação de conforto para os passageiros que arcam com elas?

RD: Qualquer melhora em linhas foi muito pontual. Soube de uma linha que foi criada próxima da estação do trem Itaquera porque ali foi criado um call center e tinha um movimento grande saindo do trem e do metrô que precisava andar pelo menos uns vinte minutos. Algumas linhas serão estendidas até o metrô São Paulo – Morumbi.

De certa forma se pode dizer que está tendo uma renovação considerável da frota. O que é programado, de ter uma renovação de 10% da frota de cada ano, está acontecendo e estão entrando ônibus com ar-condicionado, portas USB e wi-fi – o que é difícil de se mensurar, porque não se sabe se suas franquias são renovadas quando acaba o pacote.

Mas isso está dentro do contrato. O contrato exige que os ônibus acima de dez anos sejam renovados. E a cada ano uma renovação de pelo menos 10% da frota. É o que tem que ser feito, é o que a população deveria estar exigindo de todas as cidades. O Rio de Janeiro briga há anos para instalar ar-condicionado em toda frota e a cada ano é postergado o prazo.

Portal Aprendiz: O que a população pode fazer, além de protestar, para conseguir incidir em alternativas para se diminuir, ou pelo menos congelar a tarifa de transporte?

RD: Infelizmente, foram perdidas diversas discussões em relação à licitação, que estavam acontecendo antes de 2015, em diálogo constante com a prefeitura. Tanto com o Haddad como com o Dória, avançamos muito pouco na discussão sobre o assunto.

Fico reticente de dar esperanças de que é possível fazer a médio prazo. É preciso cada vez manter vivo o questionamento. Questionar o porquê da tarifa aumentar acima da inflação, em frente a tantos retrocessos que o Brasil passou nos últimos anos e tendo outras discussões maiores acontecendo, pode acabar até passando batido, com as pessoas engolindo esse sapo e pagando os R$4,30. Mas isso deve continuar.

Um outro movimento, além do questionamento, é o cidadão se capacitar. É estudar mais sobre o tema. Há muitos estudiosos sobre cidade, ocupação do território, habitação, pesquisadores fantásticos, porém, também há um descompasso dos acadêmicos de transporte com o que está sendo discutido com o resto da população.

Há ONGs fazendo o possível para criar fóruns de debate, para trazer a academia próxima da discussão pública. Universidades, como a Federal do ABC, que tem um corpo técnico muito bom, com visões mais frescas. O IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) está fazendo um trabalho interessante. O Cidade dos Sonhos é muito bom de capacitação e tenta trazer conhecimento técnico para uma linguagem acessível. O Greenpeace e o IDTP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento) também.

As jornadas de 2013 foram um marco, abriram o olhar de muitas pessoas para a questão de mobilidade urbana. O transporte público é a solução mais viável para se ter uma cidade acessível para todos, uma cidade mais viva, uma cidade mais sustentável.

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