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publicado dia 20 de maio de 2019

Afinal, o que é educação de qualidade?

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Para se pensar em uma educação de qualidade em um país tão multifacetado, de abrangentes territórios e discrepantes desigualdades como o Brasil, é preciso admitir que o próprio conceito de qualidade também é múltiplo e permite diversas interpretações.

Marcos legais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a própria Constituição de 1988 dão um chão de parâmetros para que governos, sociedade e organizações sigam em prol de uma educação inclusiva, democrática e que considere o sujeito em todas as suas especificidades.

Raquel Franzim, coordenadora da área de educação do Instituto Alana, traz o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 e com vigência de 10 anos, como marco das diretrizes sobre educação de qualidade no Brasil.

“O PNE é uma efetivação do direito à educação numa perspectiva de qualidade, porque ele próprio anuncia que não basta apenas acessar a escola ou educação, mas que é necessário acessá-lo em um determinado tempo, com condições exploradas nas metas, desde a valorização da docência, da gestão democrática até o acolhimento de diferenças. O PNE nos indica o que coletivamente o país elegeu, num determinado histórico, para si mesmo como uma responsabilidade de qualidade”.

Além do amplo campo legal, o Brasil é um país também de grandes pensadores da educação de qualidade – muitas vezes, relegados ao ostracismo por preconceitos raciais ou de gênero. Edneia Gonçalves, socióloga e diretora adjunta da Ação Educativa, traz alguns referenciais que pensaram e pensam a educação brasileira por uma perspectiva racial e territorial:

“O que lemos de Lélia Gonzalez, de Sueli Carneiro, de Beatriz Nascimento? Ainda não  se deu a devida atenção e relevância à leitura dessas pesquisadoras. O racismo é impeditivo do avanço qualitativo e democrático da educação de todas as pessoas”.

Mesmo que embasado em um território legal e teórico, o país ainda tem muito o que caminhar na construção de uma educação de qualidade. Em um cenário de cortes orçamentários, tanto em nível básico como superior, para ambas as especialistas, urge mais do que nunca qualificar a discussão sobre o que define a qualidade na educação.

Leia +: O melhor da escola é o professor, avaliam estudantes

Avaliações são importantes, mas não são os únicos indicativos de qualidade

Com frequência se atrela uma educação de qualidade a um parâmetro avaliativo: externamente, se recorre ao Índice de Desenvolvimento Básico (Ideb), ou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); internamente, as provas. Se uma escola tem um bom desempenho no Enem, ou se uma estudante tira uma nota alta em matemática ou língua portuguesa, essa escola e esses métodos geralmente são laureados como experiências de excelência.

Raquel acredita que as avaliações são sim muito importantes, mas que não dão conta da complexidade de aprendizado dos sujeitos que habitam os espaços educativos e que, pensar em uma educação de qualidade, vai muito além de uma resposta curricular.

“No Brasil, a gente precisa considerar essa discussão de qualidade em uma perspectiva das relações, da escuta feita nas comunidades e territórios. Aprender português, matemática e ciências não está separado das relações sociais positivas, empoderadas e democráticas.”

Mesmo que nos últimos anos os indicadores tenham se esforçado para contemplar essas relações – como o PNE, que tem metas para gestão democrática – Edneia acredita que a escola, e quem a pensa, ainda carece de perceber que ela não consegue ser de qualidade se não se relacionar com as identidades de seus plurais frequentadores e o lugar onde vivem.

“Qualidade é você conseguir conviver em um ambiente em que os seus aprendizados são confrontados a partir das suas experiências e a partir do contato com a experiência do outro. A escuta que a escola tem que construir passa por ouvir famílias e comunidades”.

escolas do brasil edder chiodettio
Edder Chiodetto tirou fotos de escolas públicas do Brasil / Crédito: Edder Chiodetto

A escola precisa se reinventar 

De locais ermos até cidades super populosas, a escola brasileira é muito diversa. Mas independente de estar no sertão do Cariri (PE) ou em uma megalópole como Curitiba (PR), Raquel aponta que é necessário uma infraestrutura digna para o aprendizado:

“É uma aspecto da qualidade ainda não superado. Existem inúmeras escolas e redes com problemas de saneamento, de poucas áreas livres e verdes, principalmente na educação infantil”.

Na escola, o aprendizado digno também é atravessado pela ainda não resolvida relação do Brasil com seu passado e presente racista, o que impacta diretamente alunos negros e indígenas.

Edneia aponta o papel fundamental dos espaços escolares na discussão antirracista e na defesa da potência da diversidade: “a escola brasileira é racista. Por exemplo: no período da noite, cuja maioria de alunos é negra ou é da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a biblioteca da escola está fechada. Como esse aluno vai brincar, se descobrir, descobrir as histórias de sua origem e cultura, se os espaços são negados para ele?.”

Leia +A escola brasileira e as desigualdades de seus diferentes territórios

A defesa do território e da participação social

As pesquisadoras, que há tanto percorrem a escola e a discutem sob uma perspectiva de qualidade, são enfáticas: não é possível uma escola que não se conecte com seu território. É nele, nas relações que se criam em conjunto com ele, que se pode criar soluções para se pensar uma escola democrática e antirracista.

“Falar sobre qualidade na educação hoje passa diretamente por construir as pontes para que a escola busque no território, nos seus saberes, com seu grupo, os elementos que vão indicar o caminho para a desconstrução”, alega Edneia, adicionando a importância de outros referenciais. “É vital ter atores negros falando sobre essa educação, indicando as formas de construir a partir da pertença um conhecimento maior do que é identidade brasileira.”

Essa participação da comunidade e do território tem que ser, adiciona Raquel, muito qualificada, para não dar margem à cenários de intervenção agressiva na escola, como é o caso do Escola sem Partido, projeto de lei que embora ainda estacionado nas instâncias legislativas já provoca perseguição ideológica dentro da sala de aula:

“É preciso cuidar dessas relações, não de uma perspectiva punitiva e fiscalizatória, porque participação não é filmar uma atividade dentro da sala e mostrar em rede social. A participação das famílias nas escolas precisa ser qualificada: construir vínculos em cima do respeito, do entendimento de papéis, em cima de evidências e fontes referenciadas nos marcos legais de uma educação de qualidade.”

Ainda para Raquel, mais do que nunca é necessário reforçar que no Brasil a discussão de qualidade de educação tem chão, história e teoria:

“O país tem uma maturidade teórica e legal em educação. Aqui não é terra arrasada, como muitas vezes se quer falar para que se possa ter forças ocupando a educação. Tem coisas muito boas acontecendo, e o desafio é democratizá-las. A qualidade que a gente acredita tem a ver com a cultura, com o regionalidade e o território”.

 

*Fotos da capa e matéria são de autoria do jornalista e curador Edder Chiodetto

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