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publicado dia 9 de dezembro de 2019

“Funk é questão de cultura, não de segurança pública”

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*Foto de capa do fotógrafo Sérgio Silva para Ponte Jornalismo.

“Eu só quero ser feliz/Andar tranquilamente na favela onde eu nasci/ E poder me orgulhar/E ter a consciência de que o pobre tem seu lugar”, canta o Rap da Felicidade, dos funkeiros Cidinho e Doca. 

A música foi evocada nas manifestações públicas de repúdio e revolta contra a morte de nove jovens no dia 1 de dezembro, que foram encurralados por uma ação truculenta da Polícia Militar na segunda maior favela de São Paulo, Paraisópolis. 

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Não é a primeira vez que a violência policial interrompe bailes funks dentro das periferias brasileiras – há uma histórica perseguição a essa manifestação cultural de origem negra e periférica, não diferente do que aconteceu ao samba e ao rap. 

“Essa juventude sai das cidades e dos bairros onde vive porque não tem acesso à cultura e lazer, que aliás são direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Funk não é pauta de segurança pública, funk é pauta da Secretaria de Cultura”, declarou Renata Prado, funkeira e criadora da Frente Nacional de Mulheres do Funk em ato transcorrido no dia 4, na frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. 

Bailes como o Dz7, onde ocorreu a ação policial que resultou na morte dos jovens, são muitas vezes a única opção cultural dentro das periferias brasileiras. Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, 23 distritos de São Paulo não contam com equipamentos de cultura. 

Os seis policiais que provocaram o tumulto estão afastados. Em suas redes sociais, o governador do estado de São Paulo, João Dória, primeiramente inocentou a conduta dos oficiais, que encurralaram os jovens com gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Após forte pressão, o Dória voltou atrás, se comprometendo a instalar uma comissão de investigação e se propondo a repensar os protocolos de ação da Polícia Militar dentro dos bailes funks. No mesmo dia do episódio em Paraisópolis, um jovem foi morto em um baile funk em Heliópolis

baile funk
Bailes funk são alternativas de lazer em territórios com pouca presença de equipamentos culturais / Crédito: Balazs Gardi

A força cultural do funk e a perseguição aos ritmos negros e periféricos 

Na quinta-feira, 5/12, a deputada estadual Erica Malunguinho convocou uma audiência pública na Assembleia Legislativa em São Paulo para pensar a cultura do funk e o que pode ser feito para evitar outras ações truculentas como a ocorrida em Paraisópolis. A sessão começou com uma hora de atraso pois muitos manifestantes foram proibidos de adentrar o local. 

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Durante as falas, que congregaram funkeiros, moradores de Paraisópolis, lideranças políticas e representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, o sociólogo e ex-vice presidente da Liga do Funk, Bruno Ramos, relembrou a força cultural e econômica do funk brasileiro. 

“Em suas muitas vertentes, o funk reúne um público de 20 milhões de pessoas espalhadas por todo país. Ele é uma realidade popular brasileira. Nosso ritmo e estética serve de cenário para novelas, anima auditório do Faustão, faz a alegria das baladas classe média alta e projeta internacionalmente a cultura brasileira de uma maneira que não acontecia desde a época da Bossa Nova. Mas se a cópia branca da cultura preta entra pela porta da frente, o original está aí para ser desprezado, proibido, invisibilizado e morto.  Vocês querem funk, vocês não querem funkeiros.” 

assembleia legislativa em são paulo
Audiência pública na Assembleia Legislativa em São Paulo / Crédito: Cecília Garcia

O funk na lei

Em 2018 foi aprovado o projeto de lei da então vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) que instituí o funk como patrimônio cultural do Rio de Janeiro.

Em São Paulo, a deputada Leci Brandão (PCdoB) conseguiu estabelecer o Dia Estadual do Funk em 7 de julho. Leci também é autora de outro projeto de lei que busca definir o ritmo como movimento de caráter popular. No entanto, o texto segue
parado dentro da Câmara por pouco interesse parlamentar.

Erica Malunguinho reforçou à necessidade de criações de políticas públicas e responsabilização do Estado pelas mortes em Paraisópolis. Já a longo prazo, uma derrota democrática à esse projeto de país que acredita na letalidade da polícia militar como pilar da segurança pública:

“A longo prazo é preciso derrubar esse governo nas próximas eleições. É derrubar esse modelo de sociedade que inclusive coloca os policiais da linha de frente. Pensar estrutural e institucionalmente a segurança pública genocida do Brasil.” Na saída da reunião, um grupo de juristas negros se reuniu para criar um grupo de trabalho que olhe a justiça brasileira por uma perspectiva racial.

Renata ainda recordou os anos de fracassada guerra às drogas, que tem vitimado a juventude negra e periférica e não tem oferecido nenhum tipo de solução. 

“A polícia usa a desculpa da guerra para invadir espaços de manifestação cultural e tentar calar a juventude. Todas as pessoas que fazem parte da cultura negra e periférica são perseguidas. Isso aconteceu com o samba, com o rap, funk e reggae.”

Quem vive o caos canta o caos: políticas e desdobramentos do episódio de Paraisópolis

Presente na audiência, a defensora pública Isadora Brandão explicou como a defensoria está olhando judicialmente para o caso, prestando assistência aos familiares das vítimas e  reforçou o compromisso de trabalhar a responsabilização dos policiais envolvidos no caso. 

“Nos colocamos abertos para a recepção das pessoas diretamente atingidas por esse massacre. Movimentos do funk, movimentos culturais, queremos ouvir de que maneira podemos atuar, e como a justiça pode, de fato, representar a população vulnerável para garantir justiça e reparação a mais um episódio de extermínio da juventude negra.” 

“Mas se a cópia branca da cultura preta entra pela porta da frente, o original está aí para ser desprezado, proibido, invisibilizado e morto.  Vocês querem funk, vocês não querem funkeiros” – Bruno Ramos

Para Bruno, há um solução para todo tipo de problema alegado quando se estigmatiza o baile funk:

“É preciso encarar esses problemas para além de falácias. Para o uso ilícito de drogas, que afeta ricos e pobres, redução de danos. Para o som alto, criação de espaço para migração do fluxo, diálogo com a comunidade, uma polícia comunitária capaz de conter conflitos no lugar de promover chacinas. E por fim, para as letras que tanto incomodam, educação, saneamento básico e cidadania. Por que quem vive o caos, canta o caos.”

No dia 14 de dezembro está marcada uma marcha em Paraisópolis contra o genocídio da juventude negra e a criminalização do funk. Organizada pela Batalha de Paraisópolis e pela Anarcoletiva, ela também será uma celebração da cultura periférica. 

“A educação é de extrema importância. Isso tem que fazer parte da discussão do que aconteceu em Paraisópolis”, explica Jackson Pedro, poeta, pedagogo e morador de Paraisópolis. “Como pedagogo, sei da importância de se trabalhar com uma educação desde a base. Existe um sistema de ensino excludente, ao invés de inclusivo. O menino não se encaixa na escola, mas não se caixa na rua. E aí se encaixa no funk e é frenético.”  

flyer da marcha em paraisópolis
Evento acontecerá dia 14 de dezembro às 17h em Paraisópolis / Crédito: Jackson Pedro

 

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