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publicado dia 14 de janeiro de 2020

Cultura popular brasileira e justiça social: Uma conversa com o mamulengueiro Carlos Gomide

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Do dia 25 de dezembro até 6 de janeiro, Juazeiro do Norte (CE), é tomada pela Folia de Reis, uma celebração multicultural que reencena a chegada dos Três Reis Magos. Crianças são adornadas com coroas, canções são entornadas da memória da garganta e reisados e outros folguedos mantém vivas tradições passadas de geração em geração. 

Leia +: “A cultura popular propõe um chão de desafios para nos tornarmos indivíduos melhores”. 

Mas em 2020, parte da festa não acabou na semana que principia o ano. Como uma ave migratória, a Folia de Reis deixou a região do Cariri para chegar em São Paulo pelas mãos e bonecos de Carlos Gomide e sua trupe Carroça de Mamulengos.

O lugar de pouso é a Casa Tombada, onde na segunda semana de janeiro os artistas realizam uma imersão sobre cultura popular brasileira chamada “Dia de Reis dura um mês”. 

É possível inscrever-se nas atividades do “Dia de Reis Dura um Mês” no endereço de email da Casa Tombada: [email protected]

“Juazeiro do Norte (CE) vive intensamente o ciclo dos reis. Temos mais de 20 reisados no Cariri, um dos maiores reinados da cultura popular”, conta Maria Gomide, artista e filha de Carlos. “Estamos esticando a folia, trazendo uma carroça que há mais de quatro décadas atravessa os Brasis fazendo arte”. 

Durante uma semana, a trupe, que além dos mamulengueiros comunga artes circenses, brincantes, palhaços e contações de histórias, monta uma programação imersiva. 

a artista maria gomide entre bonecos no espetáculo Janeiros
A artista Maria Gomide no espetáculo Janeiros / Crédito: Divulgação

O mamulengueiro Carlos e e a mutabilidade da cultura popular brasileira

Quando perguntado se pode ser chamado de Mestre, Carlos Gomide, também conhecido como Babau, desconversa e sorri as tímidas rugas. “Mestre não, só Carlos!”. Ainda assim, tem um trajetória de mestre e de ter vivido a maior parte da vida entre eles. Itinerante desde a infância, passou a juventude com grandes mestres da cultura popular do Nordeste, e foi com eles que aprendeu a ser mamulengueiro. 

“O mamulengo é uma linguagem, uma estética, uma tradição nordestina de teatro de bonecos feitos à mão. Geralmente dos campos da Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte”, detalha Carlos.

Os bonecos e bonecas, que encarnam arquétipos da cultura popular e de histórias regionais, não são feitos para serem manipulados. Carlos usa com bastante insistência o verbo brincar. “É brincar, porque o boneco é uma extensão da gente. É dar vida ao boneco”. 

A trajetória de Carlos e sua família brincante foi documentada no livro “Álbum de Família“, da jornalista e pesquisadora de infâncias Gabriela Romeu.

Carlos é criador de espetáculos que foram base para muitos brincantes no Brasil, como a História da Terra dos Mamulengos. Suas mais de quatro décadas de obra são uma celebração da cultura popular, que o mestre estuda com afinco. Ele garante que, mais do que resguardar a cultura popular, é preciso entender que ela está permanente transformação. 

“Há 40 anos atrás uma comunidade não tinha rádio, televisão, Whastapp, o que existia era maracatu, os folguedos, os reisados. Quando os mestres brincavam, todos vinham, porque não tinha mais o que fazer. Chamava-se cultura popular porque de alguma forma todo mundo comungava aquele brincar, conhecimento e memória”, conta o mamulengueiro. 

“Esses saberes, passados de geração em geração, como tudo na vida, estão em constante transformação. Se ficam estagnados, deixam de existir.  Tenho conversado muito com os mestres: A cultura tem que se recriar. A arte tem que ser uma surpresa. É necessário ter discernimento, criatividade para acrescentar sem perder o elo com o passado. Criar novas peças, novas coreografias. A criatividade e a imaginação têm que ser enriquecidas”. 

boneca artesanal da tradição mamulenga
Boneca da tradição dos mamulengos. Essa faz parte do espetáculo “Felinda” / Crédito: Divulgação

Cultura popular e justiça social 

Mas para essa renovação aconteça e para que os mestres consigam inovar criativamente e perpetuar as tradições, Carlos insiste que o reavivamento da cultura deve ser aliado a uma luta constante por justiça social. 

“Quando eu vou para o Nordeste e começo a conviver os artistas populares, enxergo as dificuldades da sobrevivências desses mestres e pouco acesso à educação, moradia e trabalho. Fica difícil a imaginação ser recriada nessas condições”. 

Um dos princípios do grupo Carroça de Mamulengos é lutar pela equidade social em seu território. Bairro como João Cabral, em Juazeiro do Norte, onde existe a maior concentração de reisados na cidade e também muitas demandas sociais, são espaços onde a trupe trabalha junto com a comunidade por melhorias nas políticas públicas.

“Temos que saber o que podemos fazer por nós. É possível chamar um mutirão no bairro para cuidar a praça, chamar as crianças para brincar de pipa, pião, peteca. Do outro lado, de forma pacífica, carinhosa, brincando, cobrar o prefeito que tenha posto de saúde, uma escola, um centro cultural no bairro. A cultura popular engendra uma consciência de direitos e deveres”.

reisado no cariri
Trabalho do fotógrafo Samuel Macedo sobre reisados no Cariri / Crédito: Samuel Macedo
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