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publicado dia 19 de junho de 2020

Protestos no Brasil e nos Estados Unidos: a rua como espaço da luta antirracista

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O homicídio de George Floyd, homem negro asfixiado por um policial branco, colocou os Estados Unidos em polvorosa. Mesmo dentro de descontrolada pandemia – o país é líder em casos e óbitos de Covid-19 (novo coronavírus) – manifestações antirracistas tomaram as ruas de 50 estados. 

Embora em sua maioria pacíficos, muitos dos protestantes expressaram em fogo e barricadas a raiva civil contra um crime síntese do racismo institucional que permeia o Estado: embora só 12% da população total do país, os afro-americanos são os mais atingidos pela pandemia; são também os mais vitimados pela violência policial

A maquiadora Asja Santorian, moradora de Grand Rapids (Michigan), foi uma das que protestou. Junto com a amiga Miesha Perry, organizou uma marcha que atraiu cerca de três mil pessoas. “Não fazemos parte de nenhuma organização. Somos duas civis, duas mulheres negras que estão cansadas mas que protestam mesmo no meio de uma pandemia por George Floyd e outros que morreram como ele.” 

pessoas em grand rapids, michigan
Protesto em Grand Rapids (Michigan), organizado por Asja Santorian / Crédito: M Live

As fotografias de multidões tomando as ruas e de prédios em chamas espalharam-se pelo mundo e suscitaram discussões nas redes sociais brasileiras. Ainda que o Brasil também viva a violência policial e o racismo, muitas discussões online compararam as manifestações nos dois países. 

Imagens de manifestantes brancos formando correntes nos protestos dos Estados Unidos levantaram a discussão do papel premente da branquitude dentro da luta antirracista. Ale indica pensadores como Lélia Gonzales e Abdias Nascimento para pensar o papel dos brancos “Suas falas e pensamentos não impactam somente os negros, mas as pessoas brancas, que nelas podem tomar a consciência da necessidade de viver em um mundo mais diversos.” 

O pesquisador e escritor afrofuturista Ale Santos, que escreve sobre história afro-brasileira, recorda da importância de entender que a história do Brasil foi construída com manifestações populares ocupando espaços públicos. As manifestações de junho de 2013 e as tomada de ruas e lutas identitárias durante a Ditadura Militar são exemplos recentes disso.

“É preciso lembrar que tivemos vários momentos em que a população brasileira se mobiliza. Se pensarmos na história do nosso país, podemos citar revoltas populares lideradas pela população negra como a Balaiada, a Revolta dos Malês, a insurgência do próprio Zumbi dos Palmares que se transformou em uma fantasma que até hoje gera medo na elite conservadora.” 

Há três domingos que movimentos negros e democráticos pautam protestos em espaços públicos em resposta à histórica violência policial brasileira. Nos últimos fins de semana, moradores do Jardim Mirim, bairor da zona sul de São Paulo, protestaram pelo assassinato do jovem Guilherme Silva Guedes. Ao menos policial militar está envolvido no caso. 

manifestação no jardim miriam
Protesto no Jardim Miriam (SP) / Crédito: Marcelo Rocha, do Jornalistas livres

Diferentes processos formativos moldaram manifestações populares no Brasil e no EUA

Equiparar as manifestações e a resposta dos movimentos negros ao racismo em ambos os países é ignorar suas distintas formações, continua Ale: “Os Estados Unidos sofreu um processo abertamente separatista. Ao mesmo tempo que este processo segregacionista era violento – permitindo a criação de grupos como a Ku Klux Klan – isso fez com que os negros criassem seus próprios nichos. Se não podiam frequentar universidades brancas, fariam as de negros, por exemplo. Eles são de fato uma minoria, e isso facilita a articulação, a promoção de encontros e o senso de comunidade”. 

“O Brasil, por sua vez, teve uma negação da negritude muito grande. Na ditadura militar o movimento negro não podia levantar sua bandeira, porque era perseguido como comunista. Houve uma desarticulação dos partidos, dos coletivos, um embranquecimento da história. Embora a luta antirracista brasileira seja secular é só lembrar dos jornais abolicionistas a discussão sobre raça hoje ganha força é nas redes sociais, em um país onde 1/3 da população não tem internet”.

A repressão do Estado às manifestações que ocupam as ruas também é díspar nas duas nações. No Brasil, a polícia militar é notoriamente conhecida por repressões agressivas, o que muda o modo como a participação social se organiza: 

“Temos que lembrar que os Estados Unidos não tiveram uma ditadura, eles não têm a reminiscência de desaparecimento das pessoas à luz do dia. No Brasil, existe a tradição de repressão e de militarismo que até hoje mata muita gente, e que nunca precisou se esconder. É um período que deixou vestígios de medo.”

A rua como espaço de paridade na luta anti-racista 

Asja acredita que a raiva mais do que justificada dos manifestantes contra o racismo e a violência estatal encontra no espaço público um megafone: a tomada das ruas por cartazes, gritos e ações de milhares de pessoas podem pautar e pressionar o poder público. Nova York e Los Angeles já anunciaram a realocação de verbas policiais para programas de juventude. Donald Trump assinou um decreto que prevê mudanças na condutas policiais bastante limitado, segundo grupos de direitos humanos norte-americanos. 

“Mesmo que as marchas estejam diminuindo em número, elas não vão parar. A sociedade civil e os movimentos negros continuarão a fazer pressão, seja pela retirada de fundos da polícia, seja por programas sociais. A rua clama a necessidade incluir a pauta racial em todas outras discussões.”

Foi lançado na última semana o manifesto “Enquanto houver racismo não haverá democracia”. Ele é promovido pela Coalizão Negra por Direitos, e advoga por uma frente intersetorial para garantir o direito à educação, emprego e segurança. 

Ale concorda que a rua é um local indissociável de expressões de organização e cultura afro-brasileira e afro-americana, e um espaço onde pautas antirrracistas ganham volume. Muitas das culturas resistentes estão atreladas aos espaços públicos, como religiões de matriz africana, o hip-hop, o funk, a capoeira, o samba. 

“Como eu disse antes, estamos em um país que nem todos estão na internet, então a rua ainda é o espaço, é uma mídia de mobilização influente deste país. É só ver o funk, é só ver a capoeira. ‘A rua é nóis’, como diz o Emicida, a rua é o lugar onde a cultura periférica, onde a cultura negra se expressa.”

 

Foto de capa por Yasmin Velloso, Mídia Ninja.

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