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publicado dia 17 de julho de 2020

Mestres de cultura popular defendem uma escola aberta às sabedorias do território

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O mestre de cultura popular baiano Bule-Bule canta há mais de 50 anos sambas rurais e litorâneos. “Na praia, o samba canta o remo, a rede, o anzol e a canoa. Já no sertão, canta o vaqueiro, o roçado, a boa enxada. Cada um com sua representatividade.”

No lirismo destes sambas, há uma infinitude de saberes populares oriundos de seus territórios. Para o repentista, esta sabedoria deveria se espalhar para espaços educativos como a escola: 

“A cultura popular adocica os processos educativos quando associada às outras sabedorias. Só ver as letras dos sambas. É possível aprender, geografia, história e tantas outras ciências na base da cultura popular”, defende.  

Foi para discutir a intersecção dos saberes populares com a educação integral que o projeto Conexão Felipe Camarão, da Associação Terramar, convidou educadores e mestres de cultura para a roda de prosa digital Educação integral, cultura e ancestralidade. O futuro é agora?, que aconteceu na última quinta-feira (16).

“É preciso produzir um equilíbrio entre saberes populares e acadêmicos”, alegou Jaqueline Moll, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e antes diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica no MEC de 2007 a 2013. “Queremos que as crianças saibam tabela periódica, fórmula de Bhaskara, as ciências, mas que também sejam herdeiras das tradições populares, da música e da arte.”

O encontro contou ainda com a participação do mestre Marcos Capoeira Angola e com mediação da educadora Katharina Doring, especialista em etnomusicologia pela UFBA. 

foto do mestre bule-bule
Mestre Bule-Bule acredita que os saberes contidos em rodas de samba e outras manifestações culturais tem que fazer parte do currículo / Crédito: Divulgação

O que ensina a capoeira e outras expressões culturais 

O mestre Marcos Capoeira de Angola há muitos anos faz uma dança gingada entre cultura popular e educação pública. Participante de políticas públicas e projetos de educação – como o programa Mais Educação, e o próprio Conexão Felipe Camarão –  o capoeirista acredita que a maleabilidade desta expressão cultural tem muito a ensinar para a muitas vezes rígida escola.

O educador Luiz Rufino propõe uma pedagogia das encruzilhadas como alternativa afrocentrada aos processos pedagógicos norteados pelo cartesianismo e rigidez dos países colonizadores. A capoeira, o candomblé e outros saberes afro-brasileiros ensejam uma nova escola, baseada em aprendizados comunitários, coletivos e maleáveis. Conheça mais sobre ele na matéria Pedagogia das Encruzilhadas: uma perspectiva afro-brasileira para a educação.

“Em tempos de polarização, mais do que nunca é necessário ter um comum entre extremos. E quem pode nos ensinar o equilíbrio é a própria capoeira. Nela um não ganha do outro: os capoeiristas constroem linguagem e diálogo a partir da corporeidade, também inerente no povo brasileiro.”

Há ainda nos princípios cooperativos da capoeira uma possibilidade de reencontro da escola com a ancestralidade africana e afro-brasileira: “Estamos mais próximos do pensamento africano, da nossa formação ancestral quando estamos perto da capoeira. E o saber africano é o saber da comunidade e da empatia. Urgentemente a gente precisa de uma educação que diga para juntarmos as mãos, as famílias, escolas, comunidades, bairro e cidade para diminuir a diferença social, a desigualdade.”

“É preciso mansamente ir colocando a sabedoria popular dentro da sala de aula. Se nós mestre não nos associarmos às entidades educacionais, o que sabemos fica com a gente e depois do prazo de validade vai ser enterrado. Aí todo mundo sai perdendo. O mestre tem que ser um semeador de todas as mentes.”Para que saberes como a capoeira, o samba e a ciranda façam parte do currículo escolar, esse espírito de comunhão precisa partir de uma iniciativa tanto da escola quanto dos mestres de cultura popular, diz Mestre Bule-Bule: 

crianças brincam na praça
Crianças brincam danças populares em praça em Inhampube (BA) / Crédito: SECOM

Cultura popular é basilar na construção de uma educação integral

Para a educadora Jaqueline Moll, apesar de programas como o Mais Educação e outros projetos de inserção de saberes populares em espaços educativos, a escola pública brasileira ainda não conseguiu se comprometer solidamente com a cultura popular. 

“A escola não chega para uma grande parte das crianças e adolescentes. E quando chega, não traz para as pessoas os saberes da vida de seu território, continuando a ser excludente. Quantas vezes as escolas baixam seus muros, descobrem em suas comunidades mestres como Marcos Capoeira e Bule-bule, dão valor aos saberes locais?” 

Em um país acossado pela necropolítica, onde uma pandemia exacerba as já abissais desigualdades, a cultura popular ensina, na opinião de Jaqueline, sobre a importância da cultura de paz e do afeto: 

“A escuta dos mestres, Mestre Marcos com seu berimbau, Bule-Bule com seu samba, nos faz pensar que a cultura popular ajuda as escolas a recuperar saberes e histórias cheias de delicadeza. Precisamos de um mundo com menos brutalidade, onde as pessoas deixem de ser feitas a facão e sigam reproduzindo as violências que sofrem sempre.”

 

*Foto de capa é a do grupo de samba de roda Brilhante do Irará. 

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