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Por Ângela Chagas, do Terra

Abandono. É assim que os professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Alvarenga Peixoto, na Ilha dos Marinheiros, uma das regiões mais pobres de Porto Alegre (RS), classificam a situação do colégio que ficou na pior colocação entre as escolas da capital no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgado terça-feira pelo Ministério da Educação (MEC). Com pouco mais de 700 alunos e desempenho de 3 pontos em uma escala que vai de zero a 10, a escola ficou abaixo da média nacional para as séries iniciais, que é de 5 pontos.

“Isso não é nenhuma surpresa. Em uma das salas, por exemplo, tivemos de fazer uma divisória improvisada para poder abrigar duas turmas. São 60 alunos em uma sala que seria para menos de 30”, lamenta a diretora Doris Alves. Ela conta que a escola, com pelo menos 60 anos de atividades, foi construída para abrigar cerca de 150 alunos das ilhas dos Marinheiros e Pavão, no entorno do Guaíba. No entanto, com o crescimento populacional da região, hoje são 700 estudantes “amontoados” no prédio de madeira. O espaço ocupado pela direção e secretaria foi improvisado em uma casa ao lado da instituição, construída para abrigar um policial militar.

“Perdemos o policial que fazia a segurança da escola depois que ele sofreu um atentado. Fiz questão de manter os tiros aqui para mostrar a nossa realidade”, conta a diretora ao apontar para a porta do prédio crivada de balas. Sem um policial para fazer a segurança, a escola também convive com a violência do entorno. “Em 2010 fomos assaltados três vezes seguidas, levaram tudo. Estamos conseguindo aos poucos comprar os equipamentos de novo, mas é difícil”, afirma.

Para a professora Kátia Schirmer, que trabalha no local há oito anos, a situação de pobreza da comunidade em que as crianças vivem se reflete na escola. “É uma região muito pobre, a escola é o refúgio de todos os problemas. Mas é triste ver que aqui também a situação é de pobreza. Ninguém faz nada, ninguém olha para essa realidade”, afirma a educadora do 4º ano, que tenta garantir a atenção dos alunos em uma sala onde todas as classes são grudadas por falta de espaço.

Ela conta que nos dias de prova precisa dividir a turma em dois grupos. Alguns alunos chegam para o exame no primeiro horário da tarde, enquanto os demais precisam ir no fim do dia. “Não tem como fazer prova para a turma toda. Não tem nenhum espaço entre as classes. Se não organizo assim vira bagunça”, afirma.

De acordo com a diretora, a Secretaria Estadual de Educação se comprometeu a dar andamento no projeto de reforma e ampliação da escola a partir do próximo ano. “Eu já cansei de ir lá e brigar. Vamos ver quando isso vai sair do papel”, disse. Em entrevista ao Terra, o secretário estadual Jose Clovis de Azevedo confirmou que não conhece a escola da Ilha dos Marinheiros, mas que já foi informado das dificuldades e que providências estão sendo tomadas.

“Quando assumimos a secretaria (em 2011), demos andamento em mais de 800 projetos de reforma que estavam parados, mas ainda temos 2 mil escolas que precisam de obras. Há duas décadas não se tinha uma política de recuperação da rede estadual, então não vamos conseguir fazer tudo ao mesmo tempo, mas estamos avançando”, justificou. Além da precariedade de algumas escolas, no Estado os professores ainda convivem com baixos salários, já que o governo estadual não cumpre com o pagamento do piso nacional de R$ 1.451,00 como vencimento básico.

“Claro que isso (salário) desestimula. Além de professores, somos pai, mãe, médico, psicóloga, amigos dessas crianças que não têm base familiar nenhuma. O mínimo que poderíamos esperar é que o nosso trabalho fosse valorizado”, diz a diretora ao afirmar que é preciso vocação para ensinar em condições tão adversas. “Eu sempre digo que quem não tem muito amor por tudo isso, abandona essa escola no primeiro mês”.

Para o secretário de Educação, o Estado trabalha para garantir melhores salários e condições de trabalho aos educadores. “Nenhum Estado está garantindo um terço do reajuste proposto pelo governo do Rio Grande do Sul até 2014”, afirmou.

Escola municipal diz que violência se reflete no desempenho
Apesar de também ter atingido um desempenho abaixo da média no Ideb – de 3,5 pontos – a Escola Municipal de Ensino Fundamental José Mariano Beck vive uma realidade um pouco diferente. Localizada na vila Bom Jesus, outra região pobre de Porto Alegre, a instituição conta com uma ampla estrutura, incluindo duas quadras de esportes, biblioteca, laboratórios e uma sala de leitura. Os professores, ligados à secretaria municipal de Educação recebem mais que o dobro do que os da rede estadual. O problema, segundo os educadores, está na situação social da comunidade.

“Essa é a região da cidade com o maior número de crianças em situação de abandono. Lidamos diariamente com casos de maus tratos na família, drogas, violência, doenças”, afirma a diretora Alba Pereira Bica. A escola conta com cerca de 900 estudantes divididos em três turnos. Do total, cerca de 150 participam do programa Mais Educação, uma iniciativa do governo federal que oferece atividades de reforço na aprendizagem e oficinas de esportes e teatro no turno inverso. “O ideal seria que tivéssemos o turno integral para todos os alunos, porque essas crianças sentem-se seguras na escola. Aqui elas aprendem, brincam, se alimentam”, diz. Até a publicação da reportagem, a secretaria municipal de Educação não havia se pronunciado sobre os resultados.

De acordo com a professora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Helena Sporleder Côrtes, são vários fatores que se somam para o baixo desempenho no Ideb. “Em geral, os professores são sobrecarregados com trabalho que a família terceiriza, mas não temos como apontar uma única causa. É preciso pegar o exemplo de Estados que investiram fortemente na educação, como Minas Gerais, e buscar essas soluções”, aponta a especialista. Segundo ela, a melhoria no indicador passa pelo envolvimento da família com a escola. “Em que medida os pais se interessam pelo Ideb da escola dos filhos? Independente de botar plaquinha na porta, a escola precisa discutir. Esses resultados precisam ter como consequência a mobilização da comunidade”, defende.

Desempenho no ensino médio preocupa
Apesar de ser um dos únicos Estados que não conseguiu superar a meta do Ideb nas séries iniciais, atingindo um índice de 5,1 pontos, o desempenho do Rio Grande do Sul é mais preocupante nos anos finais e, principalmente, no ensino médio. Do 5º ao 9º ano, as escolas gaúchas alcançaram 4,1 pontos, 0,2 menos do que a meta estabelecida para o Estado em 2011. Já no ensino médio, a nota ficou em 3,7, quando era esperado 4. Esse resultado é um retrocesso em relação a 2009, quando o Ideb foi de 3,9.

O secretário estadual de Educação concorda que a situação é preocupante no ensino médio, mas defende que a partir deste ano foi implementada uma reestruturação nesta etapa, com disciplinas como física, química e matemática voltadas para o dia a dia dos estudantes e com foco na preparação para o mercado de trabalho. “O impacto das nossas intervenções se dará a partir do próximo ano e temos certeza que estamos conseguindo deixar o ensino médio mais atrativo”, completou.

Ideb
A avaliação foi criada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2007, com dados contabilizados a partir de 2005, e leva em conta dois fatores que interferem na qualidade da educação: o rendimento escolar (aprovação, reprovação e abandono) e médias de desempenho nas avaliações da pasta (Prova Brasil e Saeb). Os exames avaliam o conhecimento dos alunos em língua portuguesa e matemática no final dos ciclos do ensino fundamental, de 4ª série (5º ano) e 8ª série (9º ano), e no terceiro ano do ensino médio.

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