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publicado dia 24 de outubro de 2013

Jovem brasileiro deve ter direito à ciência garantido, afirma diretor da Mostratec

Em menos de uma década, uma feira de ciências e tecnologia que acontecia no ginásio de esportes da Fundação Liberato e reunia pouco mais de 100 projetos, cresceu tanto que hoje ocorre em um enorme centro de convenções da cidade de Novo Hamburgo (RS), com 400 invenções de jovens estudantes. Trata-se da Mostratec – Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia, que em 2013 chega a sua 28ª edição.

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Para o diretor-executivo da Fundação que organiza o evento, Leo Weber, esse crescimento foi resultado de um “empenho infinito” pela inclusão da ciência no dia a dia do estudante brasileiro desde o ensino básico. “A Mostratec é um movimento – e não apenas uma feira – pela difusão da ciência jovem no Brasil”, afirma categoricamente.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, Weber retomou esse processo de evolução da mostra, comentou as políticas públicas de incentivo à ciência no Brasil e relembrou os tempos quando a Mostratec, considerada hoje a maior feira de ciência jovem da América do Sul, ainda engatinhava. “Antigamente, as toalhas coloridas serviam para esconder as falhas dos estandes, que eram feios. Hoje, elas são para decorar”, brinca.

Portal Aprendiz – O Brasil é responsável por 2,7% da produção científica mundial, mas fica apenas em 58º lugar entre os países mais inovadores. Nesse contexto, de que maneira a Mostratec pode ajudar o país a melhorar sua ciência?

Leo Weber – A Mostratec surgiu na década de 70 como uma feira interna da Fundação Liberato. Esse processo foi evoluindo ao longo dos anos, se transformando em uma feira estadual, depois nacional e, na década de 90, com a criação do Mercosul, passamos a visitar feiras similares no Uruguai e na Argentina. Houve uma reciprocidade e eles vieram para cá também, e ano a ano a feira foi crescendo. Então, na nossa percepção, há necessidade de cada vez mais o jovem ter a disponibilidade e possibilidade de acesso à ciência e ao método científico. Se naquele momento trouxemos isso para o ensino médio e educação profissional, agora estamos fazendo outra trajetória: introduzindo essa temática no ensino fundamental.

No nosso entendimento, quanto mais jovem é a pessoa, maior a possibilidade de ela se engajar e gostar da linguagem científica e tecnológica e maior a possibilidade de, quando chegar à idade adulta e ingressar num curso universitário, ter condições de galgar um posto maior. Isso é fundamental. Criar desde a juventude esse interesse, essa vontade, essa cultura pela ciência e pela tecnologia.

Isso daria ao jovem infinitas possibilidades. Nós não queremos dizer que ser jogador de futebol ou ser um grande músico é ruim – tudo isso é bom e faz parte da cultura do nosso país. Mas também temos que dar a possibilidade para eles conhecerem alternativas. A área científica é muito interessante, e é ótimo que um jovem possa também se destacar nessa área. Os alunos jovens não sabem que há essa perspectiva e possibilidade de crescimento e desenvolvimento pessoal.

Para nós, esse é um dos principais problemas da ciência brasileira: desde jovem não é disponibilizada essa alternativa aos meninos e meninas. Por isso fincamos a bandeira de que a Mostratec é um movimento – e não apenas uma feira – pela difusão da ciência jovem no país.

Queremos cada vez mais que o acesso à ciência seja um direito do cidadão. E com isso esses índices que você citou vão melhorar muito.

Aprendiz – Como os projetos dos jovens cientistas podem melhorar as comunidades onde vivem?

Weber – De diversas formas. Os projetos têm uma grande sensibilidade cultural, ambiental e social, e já têm uma relação com a vida da pessoa. Além de desenvolver uma hipótese, eles criam um ambiente favorável à difusão da ciência, pois seus companheiros veem que é possível chegar a uma grande feira como a Mostratec e até mesmo outras maiores. E criando esse ambiente você difunde na comunidade essa perspectiva; vão surgir outros trabalhos, professores se engajarão.

Os professores têm muito medo de orientar seus alunos. Conjuntamente com a Intel, nós desenvolvemos um programa de capacitação de professores por muitos anos e a gente percebia certo receio neles. “Como é que eu vou fazer isso?”, diziam. É o medo, é natural, todos temos medo do que não conhecemos, de como enfrentar essa condução de um caminho que não sabemos onde vai dar – o do método científico –, pois você cria uma hipótese e não sabe se ela vai dar certo, pois ela pode parar na metade por falta de algum detalhe, ou seja, várias coisas podem acontecer, tanto positivas como negativas.

Mas a vontade do aluno é que é importante e isso muda a vida da escola, do professor e de comunidades. E encontramos talentos que nunca imaginávamos encontrar.

Aprendiz – Dá pra considerar a Mostratec e outras feiras de ciência como uma grande sala de aula?

Weber – Exatamente. Uma sala que não é só giz e quadro negro. Quando um guri tem o brilho nos olhos pela ciência, muda o negócio. Porque aí ele não vai mais questionar a razão de estudar aquela ‘matéria chata’, ele vai procurar os motivos e questionar, ir atrás, bibliotecas e também no Google, e aí o mundo está aberto para ele. Isso dá sentido e vontade de fazer. Ele vira sujeito de si e as portas se abrem para ele. O que acontece então? Surge a inovação. O aluno pesquisa, vê o que está acontecendo, avalia e coloca o dedo no negócio.

Aprendiz – Defendemos a ideia de uma cidade educadora. Na Fundação Liberato existe alguma prática nesse sentido?

Weber – A Fundação é uma instituição pública estadual, e por muitos anos ela ficou afastada das ações estritamente municipais. Nós estamos a três anos ampliando a relação com os municípios de onde vêm nossos alunos, no sentido de fortalecer feiras de ciência jovens com estudantes do ensino fundamental.

Temos uma grande feira como a Mostratec, mas aqui nas proximidades a gente não fazia nossa lição de casa. Agora em 2013 temos uma rede de 12 municípios que têm feiras municipais – nós capacitamos os professores no uso do método científico em sala de aula, nós ensinamos os assistentes de educação municipais como fazer uma feira. E montamos uma rede de avaliação: os professores de Novo Hamburgo avaliam o de São Leopoldo, os de São Leopoldo avaliam os de Esteio, e por aí vai. Com essa rede todo mundo consegue montar sua feira e não há custos, todos se ajudam.

A cidade de São Leopoldo, vizinha de Novo Hamburgo, fez a sua feira de ciências pela primeira vez nesse ano. Essa é uma ação concreta que a gente consegue fazer e tem alguma expertise. Ao repassarmos isso, fortalecemos o movimento pela ciência.

Aprendiz – Qual o papel do professor na iniciação à ciência?

Weber – É fundamental. Se você não tem um professor, a evolução não acontece. Ele é a pessoa que faz a conexão, uma espécie de gestor: motiva os alunos, conduz para um caminho que não sabe bem onde é a luz no fim do túnel. Ele busca meios, não digo financeiros, mas contrata uma empresa, busca um professor que tem um conhecimento superior naquela determinada área, faz o contato, busca a direção da escola e faz o meio de campo com ela para promover o evento.

O professor é o adesivo, é o grude desse processo, é o que dá a liga e junta tudo isso para a coisa acontecer. Se não há professor isso não acontece.

A gente tenta apresentar um pouco da nossa experiência e motivar esses grupos. Temos alguns professores que usam linguagem muito próxima do dia a dia, e não aquele vocabulário acadêmico, pois nós não somos uma academia, mas sim uma instituição muito prática, afinal é uma escola técnica, gostamos de coisas muito concretas.

Claro que a formulação teórica tem que embasar os professores, mas eles precisam fazer as teorias na prática. Por vezes damos muita cabeçada, porque fazemos mais do que pensamos. Foi dessa maneira que fomos aprendendo, e eu acho que isso tem que acontecer mais: quando não se sabe o que fazer, apenas faça alguma coisa, vamos ver o que acontece. E o professor tem que estar motivado para tentar isso. Tem que acertar e errar e dar a cara à tapa, senão não vai sair nada. A nossa capacitação tem uma fundamentação teórica, mas tem também uma parte motivacional, explicando qual é o papel do professor nesse mecanismo, o que ele pode fazer e dando exemplos.

Aprendiz – Como o senhor avalia as políticas públicas de incentivo à pesquisa científica, como o Programa Ciências Sem Fronteiras?

Weber – Acho fantástico! Eu não tive isso na minha época, também queria ter ido para o exterior. Viajar para outro país, ficar um ano ou mais e depois poder voltar, faz parte de um intercâmbio de culturas é muito rico. E isso se reflete aqui na Mostratec – são 27 países representados, diversas culturas e você aprende a respeitá-las e vice-versa. Isso dá outro patamar de discussão de vida e a possibilidade de ver em que determinado país é bom e nós não somos – e o contrário também – e trocamos as informações.

Aqui no Brasil a gente sempre dá um jeitinho nas coisas, mas ao mesmo tempo não temos determinação – no sentido de ter um objetivo, correr atrás dele e continuar tentando. Sempre paramos no meio do caminho; os povos de origem asiática e germânica, ao contrário, têm essa determinação.

A inovação, por exemplo, é um processo de muita repetição. Tem que fazer dezenas, centenas de vezes para dar certo. Você tenta, tenta, erra, erra e, de repente, acerta. Tem que ter persistência.

O Ciência Sem Fronteiras é um exemplo positivo de que as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento da ciência no Brasil têm melhorado, mas podem evoluir ainda mais. Outro exemplo positivo é um edital que financia feiras científicas e tecnológicas como a nossa. A Mostratec está na 28ª edição, e há quatro anos existe uma política pública institucionalizada no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) de financiamento público de feiras de ciência no nível médio.

Isso foi conquistado com muita luta, muitas vezes fomos à Brasília para encher o saco de nossos governantes até que eles entendessem que hoje você não pode mais dissociar ensino e ciência em qualquer nível da escolaridade. Claro que o nível acadêmico formal, mestrado e doutorado são importantes, mas a etapa de ensino fundamental é tão importante quanto, todas têm seu nível de importância. Se não forem criadas políticas públicas perenes de financiamento, não vamos conseguir alavancar os números que você comentou no início da conversa.

Aprendiz – Como vocês lidam com a questão das patentes?

Weber – Isso já deu muito rolo. Nós não temos uma solução perfeita, mas há três edições da Mostratec avançamos bastante na questão. Construímos uma parceria com um grande escritório de patentes nacional, a Village Marcas e Patentes, que tem sede em São Paulo. Desde 2011, ela dá a chancela por um ano para todos os resumos dos trabalhos aqui apresentados. Nas primeiras páginas dos anais de todos os trabalhos, há um texto onde a Village assume a responsabilidade pela chancela dele.

Quando você apresenta um trabalho ele passa a ser público, mas com a chancela ele ganha uma sobrevida de um ano; se alguém tentar copiar, a Village garante que não vai permitir durante um ano – não é feita a patente, mas sim a chancela.

E a Village banca todo o processo de patente do trabalho brasileiro mais bem pontuado da Mostratec. Isso é caro, um processo lento, com várias etapas, que chega a valores de até 40 mil reais que ela própria banca.

Eu desconheço outro trabalho similar no Brasil. Acredito que os ministérios do governo deveriam mergulhar de cabeça em pelo menos um quarto dos trabalhos da Mostratec e ajudar a criar patentes. Eu acho que falta uma iniciativa maior do poder público quanto a isso.

Aprendiz – A ciência desenvolvida na Mostratec tem um forte teor social. Podemos dizer que é uma ciência que tem a ambição de ajudar na redução da pobreza e da desigualdade?

Weber – Eu diria que quase todos os trabalhos têm um viés de se relacionar com a sua comunidade e resolver os problemas dela, ao criar impacto que mude a vida de um grupo de pessoas, e isso mostra o poder dessa feira. Claro que, no nível que lhe permitem o conhecimento e o acesso às informações que determinados projetos têm através dos professores e das escolas, eles têm um cunho de preocupação social, ambiental, educacional, e tentam mudar para melhor a vida de alguém ou de alguns, às vezes de muitos milhares, dependendo do que o trabalho está abordando.

Eu acho que isso é uma conseqüência desse movimento. Se olharmos 15 anos atrás, esses trabalhos não eram tão freqüentes – eles resolviam problemas e muitos eram inclusive inovadores, mas não tinham essa preocupação, essa busca pela temática social, e no nosso entendimento isso se dá a partir da ampliação de horizontes, do maior número de sociedades e ambientes envolvidos, dessa troca que começa a ampliar. Quando íamos as feiras internacionais, percebíamos que isso passava a ser valorizado lá fora.

Isso vai gerando desdobramentos positivos. E outra coisa que eu acho positiva é que vários financiadores nossos, como a Petrobras, nos tencionam saudavelmente para que busquemos o maior número de escolas públicas para aumentar essa representação social (na Mostratec, o mínimo é de 60% de trabalhos provenientes da rede pública brasileira). A questão de comparecem todos os estados do Brasil também era cobrada até mesmo pela Intel, uma empresa privada.

O intercâmbio gera isso, a sociedade está evoluindo nesse sentido, e também as parcerias têm seu papel para que isso aconteça.

Aprendiz – Em 2006 eram nove países que compunham a feira, e em menos de 10 anos triplicou esse número: hoje são 27 nações representadas nos corredores da feira. Como o senhor avalia esse momento da Mostratec?

Weber – A Mostratec tem alguns marcos: a sua criação; a década de 90, quando passa a ser internacional; a parceria com a Petrobras em 2006, que proporciona um salto imenso para a feira. Até 2005 ela era feita dentro do ginásio da Fundação Liberato, onde cabiam pouco mais de 100 projetos – ela triplicou de tamanho, triplicou de países, triplicou de estados brasileiros representados. Claro que lutamos muito para isso, mas teve muita gente que acreditou no que estamos fazendo. Foi um trabalho árduo.

O repórter Danilo Mekari viajou a convite da organização do evento.

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