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publicado dia 13 de dezembro de 2013

Jogos e brincadeiras levam Direitos Humanos para dentro da escola

Na semana em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 65 anos, reacende o debate sobre como a educação pode incorporar temas ligados aos direitos fundamentais no cotidiano escolar. Em 2013, o ensino de direitos humanos  passou a integrar de forma transversal o currículo das instituições de educação básica e de ensino superior de todo o Brasil.

 

Baseada nos princípios de dignidade humana – como o reconhecimento e a valorização das diversidades, a laicidade do Estado, a democracia na educação, a transversalidade, a vivência e a globalidade, e a sustentabilidade socioambiental -, a proposta pedagógica do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos tem como primeiro desafio a superação das diferenças dentro do próprio ambiente escolar.

E elas não são poucas. Casos de bullying entre alunos, agressões a professores e falta de mediação nas resoluções de conflito formam um cenário de violência no ambiente escolar e apontam para a urgência de temas como tolerância, respeito e colaboração. Uma pesquisa realizada no estado de São Paulo apontou que 44% dos professores da rede pública já sofreram algum tipo de violência, sendo em sua maioria agressão verbal.

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Para contribuir com essa tarefa, as psicólogas Maria Lúcia Afonso e Flávia Lemos lançaram durante o Fórum Mundial de Direitos Humanos, que se encerra nesta sexta-feira (13/12), em Brasília, o livro Jogos para pensar: Educação em Direitos Humanos e Formação para Cidadania.

Além de introduzir uma discussão acerca dos direitos já conquistados e os impasses na aplicação da Educação em Direitos Humanos nas escolas do país, a obra apresenta propostas para o uso efetivo de recursos lúdicos – especialmente jogos educativos – nesse processo de aprendizagem.

O Portal Aprendiz conversou com as autoras sobre como a escola, a família e a comunidade podem explorar a dimensão lúdica e a criatividade no exercício diário de compreensão das pessoas. “Na brincadeira, é possível imaginar saídas para diferentes situações. Isso estimula o pensamento, a criatividade e facilita o entendimento entre as pessoas”, ressaltam.

Portal Aprendiz –  Na introdução do livro é citado que a Educação em Direitos Humanos, “embora não seja solução única nem definitiva, tem um papel singular e insubstituível na formação e na defesa da cidadania”. Qual seria esse papel? Vocês acreditam que ele tem sido cumprido?

Maria Lúcia Afonso e Flávia Lemos – Houve um grande avanço no reconhecimento do valor da cidadania, no reconhecimento de que as pessoas têm direito a ter direitos e a participar da vida em sociedade. Entretanto, para a defesa da dignidade humana, é preciso mais do que leis, palavras ou educação. É preciso construir uma sociedade mais justa e democrática e buscar superar as diversas formas de autoritarismo no cotidiano. Ou seja, são necessárias políticas públicas, a responsabilidade do Estado e da sociedade, bem como o envolvimento ativo dos cidadãos. A Educação em Direitos Humanos soma esforços nesse sentido, ajuda a refletir sobre as nossas práticas, contribui para formar valores e atitudes, reafirmando o respeito à dignidade humana.

Portal Aprendiz –  De que maneira a capacidade de brincar permite o “questionamento, a desconstrução de sentidos cristalizados e a invenção de novos sentidos diante da realidade social já simbolizada através das mais diferentes formas”?

Afonso e Lemos – A vida social está organizada por meio de formas instituídas de pensar, agir e sentir. Isto significa uma cristalização de hábitos e de sentidos que se repetem no cotidiano. E às vezes esses sentidos cristalizados reproduzem relações de violência ou de alienação. E nem sempre a gente se dá conta de como os nossos pensamentos estão presos a esses esquemas já instituídos. Brincando é possível criar um espaço imaginário e lidar com os afetos e desafios da vida de uma forma mais leve e flexível.

Gostaríamos de enfatizar que a dimensão lúdica da vida não está necessariamente ligada a um jogo ou a uma brincadeira. Existe uma dimensão lúdica nas conversas do dia a dia, nas artes, na música, na invenção de uma receita para uma boa refeição, na maneira como paramos para apreciar uma árvore florida e assim por diante. São momentos nos quais nos abrimos para a experiência, soltamos a criatividade e nos tornamos mais flexíveis para compreender as pessoas.

Mas é preciso enfatizar que essa dimensão lúdica não tem nada a ver com fazer bagunça ou zoeira. É simplesmente a capacidade de pensar sob novos ângulos, como se a brincadeira nos permitisse criar metáforas para lidar com a vida. Por exemplo, brincamos com a linguagem quando dizemos “depois da tempestade sempre vem a bonança”, criando uma metáfora para dizer que é preciso ter esperanças para atravessar as dificuldades da vida. Assim, novos sentidos e significados podem ser dados à realidade. Na brincadeira, é possível imaginar saídas para diferentes situações. Isso estimula o pensamento, a criatividade e facilita o entendimento entre as pessoas.

Portal Aprendiz –  Que tipos de atividades lúdicas podem estimular em seus jogadores um maior conhecimento dos direitos humanos?

Afonso e Lemos – A dimensão lúdica existe em diversas atividades escolares. O processo de aprender exige mais do que repetição de conteúdos, requer raciocínio e criatividade. Assim, existe uma dimensão lúdica nas mais diversas disciplinas, nos exercícios de matemática, em uma redação, nas aulas de educação física e assim por diante. O processo de aprender traz em si mesmo a possibilidade de compreender melhor o ser humano, suas potencialidades e dificuldades. Assim, de uma maneira geral, os jogos têm a potencialidade de estimular a aprendizagem e a reflexão.

Quando desejamos promover a reflexão sobre o ser humano, as relações humanas, os valores, é importante que os jogos e as brincadeiras abram espaço para a experiência do trabalho em equipe, da cooperação, e também do respeito às regras combinadas no jogo, mesmo em situações de competição. É importante haver interação entre os jogadores de forma que possam conhecer melhor as questões que interessam a cada um. Ou seja, não se trata só de jogar um jogo para ganhar ou perder. Trata-se de criar uma ocasião para interagir, conversar, conhecer mais sobre a vida, refletir sobre questões variadas. A cooperação e a competição desenvolvida dentro de regras combinadas são formas de dinamizar o jogo, torná-lo mais divertido e interessante.

Os leitores estão convidados a visitar o site Recimam, onde estão disponibilizados, para download gratuito, alguns jogos para trabalhar sobre a questão dos direitos humanos, do bullying e do meio ambiente. Nós acreditamos que educadores e educandos podem construir juntos atividades e jogos, usando as suas ideias ou mesmo procurando inspiração em publicações e sites diversos, como o DHnet (que é da Rede Brasileira de Direitos Humanos) e outros. O livro que estamos lançando, pela Editora Autêntica, traz um capítulo inteiro explicando como construir um jogo.

Em nossa proposta, os componentes dos jogos, tais como o lançamento de dados, os casos discutidos, as dicas, as cartas e as peças no tabuleiro criam uma dinâmica que torna a reflexão mais divertida e facilita o diálogo e a interação. As regras do jogo ajudam a mediar os conflitos e todos se envolvem, sempre lembrando que é importante combiná-las e respeitá-las.

Portal Aprendiz –  Que jogos têm potencial para desenvolver uma educação em direitos humanos?

Afonso e Lemos – São basicamente jogos que trazem (1) uma parte de informação sobre direitos, questões humanas importantes para serem refletidas através de casos, perguntas e respostas, sempre com base em material consistente e responsável, (2) uma parte de elementos lúdicos, como um tabuleiro com dados, cartas e assim por diante, que seria o jogo propriamente dito; e (3) uma parte de elementos e reflexivos interativos, que permite aos jogadores expressarem suas ideias, conhecerem um pouco mais de seu cotidiano, e assim por diante.

Por exemplo, o jogo Trilhas da Cidadania é composto por um tabuleiro com o desenho de uma trilha que os jogadores vão percorrer com os seus peões. Na medida em que arremessam os dados, precisam sortear uma carta com uma pergunta sobre direitos humanos e tentar respondê-la. Nesse momento, todo o grupo participa e decide se o jogador pode andar com o seu peão, dependendo da sua resposta. Há também as cartas interativas, nas quais as perguntas são relativas à vida, preferências musicais, passeios favoritos e assim por diante. Na medida em que jogam, os educandos vão refletindo sobre as questões, conhecem mais sobre o próprio cotidiano, explicitam dúvidas e divertem-se dentro de regras. O educador acompanha e incentiva a discussão, trazendo informações e também estimulando o diálogo sobre as questões levantadas.

Portal Aprendiz –  Existe um embate entre educadores que defendem o brincar espontâneo e aqueles que pregam o brincar como estratégia pedagógica. Qual a avaliação de vocês acerca das duas abordagens?

Afonso e Lemos – Acreditamos que este é um falso embate porque há lugar tanto para o brincar espontâneo quanto para a utilização de recursos lúdicos como parte de uma estratégia pedagógica. A atividade lúdica pode ser articulada com processos cognitivos e relacionais, de uma maneira leve e estimulante. Isto não quer dizer que toda vez que a criança for brincar é obrigada a aprender alguma coisa já definida pelo educador. A criança aprende quando brinca, descobrindo e desvelando o mundo. E também brinca quando aprende se tem a oportunidade de somar a criatividade e a imaginação na atividade educativa. Quando se trata de Educação em Direitos Humanos é muito importante não esperar que a criança ou o adolescente se limite a repetir uma “moral da história” previamente definida pelo adulto. É importante que o diálogo abra espaço para sentidos novos que vão surgindo do questionamento dos valores e das práticas cotidianas.

Portal Aprendiz –  Qual o papel da família e da comunidade no processo de Educação para os Direitos Humanos?

Afonso e Lemos – Não se trata apenas de um conteúdo a ser estudado na escola: a Educação em Direitos Humanos é responsabilidade de todos. Trata-se de uma maneira de ver o mundo, uma atitude diante da vida. É importante que as famílias e a comunidade participem dessa educação das novas gerações, buscando valores que fundamentam os direitos humanos. Todavia, precisamos reconhecer que muitas vezes a população encontra dificuldades diversas nessa empreitada. Assim, é interessante que a escola possa desenvolver projetos educativos com a participação do Conselho Escolar, de pessoas e organismos da comunidade. Esses projetos podem ser desenvolvidos dentro da escola e na comunidade.

Nesse sentido, é importante não se esquecer do papel da rede de serviços que também pode e deve participar em ações conjuntas da educação com a saúde, com a assistência social e assim por diante. Consideramos importante que os educadores leiam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e pensem em como aplicá-lo dentro dos seus diferentes contextos de trabalho.

Portal Aprendiz –  Muitas vezes o “brincar” é visto como algo somente relativo ao período da infância. O que poderíamos esperar se os adultos brincassem mais?

Afonso e Lemos – Em todas as sociedades, os seres humanos brincam de diferentes formas, ao longo da vida. Nós nos acostumamos a só enxergar que uma pessoa está brincando quando está envolvida em um jogo ou brincadeira organizada. Mas, como dissemos, existe uma dimensão lúdica nas diversas atividades humanas, nas artes, no lazer, na convivência diária, na linguagem e até mesmo no trabalho. Em vez de esperar que os adultos brincassem mais, seria mais interessante esperar que eles reconheçam mais que em tudo o que fazem há uma potencialidade para a criatividade, o lúdico e a esperança. Os adultos deveriam aprender a reconhecer que os sentidos cristalizados que praticam no dia a dia podem ser questionados e transformados. E que, para brincar, não precisam ser agressivos ou bagunceiros. A dimensão lúdica da vida é que nos faz criar, amar e construir novas formas de viver.

Portal Aprendiz –  Quais espaços da cidade são ideais para as pessoas exercerem essas atividades lúdicas? Existem exemplos de jogos educativos que acontecem fora do ambiente escolar?

Afonso e Lemos – Os jogos podem ser criados por educadores, educandos, famílias e  grupos da comunidade. Os espaços são os mais diversos, mas é preciso lembrar que os espaços públicos e os programas sociais devem promover a cultura de respeito aos direitos humanos. Assim, sem dúvida, é importante que, na organização do espaço urbano, haja lugar para jogos mais organizados, como um campo de futebol ou uma pracinha com brinquedos infantis e assim por diante. Isto diz respeito ao direito da população ao lazer. Mas também é importante saber que a atividade lúdica não se resume a espaços delimitados. A comunidade pode fazer um dia de jogos de tabuleiro naquele campo de futebol. Outra dimensão importante para que a comunidade possa se engajar em produções lúdicas é a questão da segurança pública, tanto nas ruas quanto nas instituições. Pensando dessa maneira, é possível criar recursos lúdicos, para lazer e para aprendizagem, por meio de rádios comunitárias, quermesses, feiras, e assim por diante.

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