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publicado dia 12 de fevereiro de 2014

Parceria entre Ruy Ohtake e Heliópolis completa 10 anos; confira entrevista

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“Se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia.”

O provérbio atribuído ao pensador russo Liev Tolstói encontra um exemplo vivo em Ruy Ohtake. Com um vasto rol de obras – que passa por Brasília e vai de Nova York a Tóquio –, o arquiteto paulistano encontrou na comunidade de Heliópolis, na zona sul de sua cidade natal, uma oportunidade única de envolver os habitantes da região em projetos de desenvolvimento local.

Tornando o provérbio ainda mais literal, Ohtake coordenou a pintura das fachadas de casas em três ruas de Heliópolis, colorindo a comunidade – trabalho que completa uma década em 2014.

Como se não bastasse, ajudou os moradores a construir uma biblioteca comunitária, projetou moradias populares e o Centro de Convivência Educativo e Cultural de Heliópolis, que reúne escolas municipais, creches, uma Escola Técnica Estadual, um centro cultural e um teatro infantil.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, cedida do alto de seu escritório, no 11º andar de um edifício da Avenida Faria Lima, o arquiteto de 76 anos revelou a felicidade que sente ao estabelecer trocas e firmar vínculos em uma das regiões mais vulneráveis da capital paulista e afirmou que esse diálogo “foi muito rico” para ambos os lados.

Segundo ele, os projetos do Hotel Unique, do Instituto Tomie Ohtake e do Parque Linear do Tietê, em São Paulo, podem ser considerados marcos arquitetônicos, mas não têm a mesma potência social que o trabalho que Ohtake segue realizando em Heliópolis.

Na entrevista, o filho primogênito da artista plástica Tomie Ohtake – que se formou em 1960 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) –, comentou também sobre a possibilidade de a arquitetura ajudar na criação de uma cidade mais educadora, renovando espaços antigos e criando novos centros de convivência.

Confira os principais trechos!

Arquitetura e Educação

Eu considero que a qualidade de vida de uma cidade tem vários índices – um dos mais importantes é a educação – e faz parte dela também a cultura. Uma cultura que, felizmente, tem tido seu acesso ampliado nos últimos anos. E para que isso aconteça efetivamente são importantes a arquitetura do espaço e a localização dentro de toda a malha urbana.

Em uma cidade com a complexidade e o dimensionamento de São Paulo esses “pontos” de cultura vão se tornando cada vez mais importantes – e são, ao mesmo tempo, um desafio cada vez maior. A arquitetura ligada à cultura, ao meu ver, deve ser um espaço que permita o acesso físico da comunidade, um espaço com muita flexibilidade – pra que múltiplas atividades possam ser realizadas com um simples ajuste.

Além disso, é importante que esses lugares possam receber a participação dos setores mais variados que integram a cultura urbana da nossa cidade, do Brasil e também do exterior. Não adianta apenas ter um espaço flexível e aberto se depois as pessoas não corresponderem a essa visão mais ampla da cultura e da educação. As duas coisas têm que andar juntas: o espaço físico e toda a formulação do aprendizado devem fazer com que os jovens participem cada vez mais.

Investimento

Se nós nos basearmos em metodologia tradicional vamos acreditar que é necessário um enorme investimento para tornar isso viável. Mas eu acho que nós podemos pensar em um investimento muito pequeno, porque pra começar a desenvolver essa cultura mais comunitária não precisa de grandes espaços, mas sim que eles tenham conteúdo. Não precisa ser nada grandioso, pelo contrário, vejo como uma coisa simples, mas altamente eficaz no papel que a cultura pode e deve ter.

O contato com Heliópolis

Sabe como eu fui pra Heliópolis pela primeira vez? A [revista] Veja São Paulo fez uma pequena enquete com 15 cidadãos sobre a beleza e a feiura de São Paulo. Eu respondi que a coisa mais feia da cidade era a desigualdade existente entre bairros de recursos e as favelas, como eu chamava as comunidades na época. A repórter me ligou no dia seguinte dizendo que ficou abstrato e pediu pra eu especificar um pouco mais os bairros. Então dei os exemplos do bairro do Morumbi e de Heliópolis.

Porém, em vez de falar que o que eu acho feio é a desigualdade entre esses dois locais, eles escreveram que o que eu achava mais feio em São Paulo era Heliópolis!

Apresentação reúne moradores no Polo Cultural de Heliópolis. | Crédito: Divulgação

No dia seguinte, o pessoal de lá começou a me ligar – não para criticar o comentário manipulado pela revista, mas sim para pedir ajuda para tornar a comunidade menos feia. Eu topei. Ao chegar, tinha umas 30 pessoas de Heliópolis me esperando. Me receberam pedindo ajuda para alguns projetos dentro da comunidade, pois eles não tinham orientação de ninguém. Falaram dos seus desejos: uma biblioteca fora da escola, que pudesse ser frequentada até as 8 horas da noite e aos sábados e domingos; um cinema dentro da comunidade; um lugar para expor trabalhos da juventude da região.

Saíram quase 10 sugestões. Falei pra eles: “Se a gente reunir e conseguir executar todos esses projetos, vamos conseguir formar uma identidade cultural de Heliópolis”.

Esboço de Ruy Ohtake para o projeto A Cor de Heliópolis. | Crédito: Divulgação

A Cor em Heliópolis

Um dos primeiros projetos que saíram do papel foi a pintura das casas. Pedi para eles escolherem as ruas que seriam pintadas e fazerem uma pesquisa com todos os moradores para que escolhessem a cor de cada fachada.

Os moradores estavam contentes e um pouco incrédulos. “Quanto é que vai ter que pagar?”, me perguntavam. Mas é claro que ninguém precisava pagar nada. Contatei uma fábrica de tintas para serem doadas e oito pintores da comunidade foram escolhidos a partir dos critérios dos moradores.

Eu liguei pro vice-presidente da Suvinil pedindo a doação. Ele perguntou quantas caixas precisava: 250. Eles toparam doar e quiseram acompanhar o trabalho.

Quando chegaram os caminhões com os galões de tinta foi uma festa. A pintura durou de seis a sete meses. Não recebi honorário material nesse projeto, mas ganhei muito com esse relacionamento. Esse trabalho que eu fiz só foi possível porque encontrei na comunidade não uma resposta boa, mas sim uma exigência.

Uma biblioteca da comunidade

A biblioteca de Heliópolis tem essa simplicidade e foi feita juntando duas casinhas dentro da comunidade, quebrando algumas paredes e fazendo uma sala para crianças, outra para estudantes e adultos, estimulando diversos tipos de leitura – desde jornais diários a revistas semanais e mensais.

E os livros? Porque o que dá qualidade a uma biblioteca são seus livros, claro. Tivemos a ideia de pedir para o Antonio Cândido, um dos maiores críticos literários brasileiros, uma lista de livros que pudessem interessar para a comunidade de Heliópolis. Ele se dispôs a listar 800 obras e a comunidade escreveu para cada um dos reitores das universidades paulistanas pedindo doação de dois ou três livros.

Biblioteca Comunitária fica aberta até às 20h e funciona aos finais de semana. | Crédito: Divulgação

Quando chegaram em torno de 300 livros, aí sim a biblioteca foi aberta. E como é que iríamos operar a biblioteca? Chamei a Marta Suplicy, prefeita à época, para conhecer o local e ela ficou emocionada. Pedi que ela indicasse alguém com vivência em biblioteca e ela deu o nome de José Castilho Marques Neto, diretor da Bblioteca Municipal Mário de Andrade.

Hoje você vai à biblioteca e ela é dirigida por seis membros da comunidade. Fizeram um curso rápido de como cuidar e recuperar um livro, como fomentar a leitura, como catalogá-los – tudo o que inclui a organização mínima de uma pequena biblioteca. Ou seja, a biblioteca é operada pela comunidade.

Esse é um pequeno exemplo dos tipos de relação interessante que pode haver entre a comunidade e a cidade.

Fachadas coloridas nas ruas da comunidade. | Crédito: Reprodução

As escolas de Heliópolis

A comunidade pode expandir o diálogo com a cidade formal por meio de trocas mútuas. Estimular as escolas de dentro de Heliópolis e as próximas também – elas reúnem todo dia a garotada – a fazer exposições sobre a memória do bairro, com textos, fotografias, jornais antigos. A escola é um museu que não está sendo aproveitado.

Perus: um novo projeto?

A antiga Fábrica de Cimentos de Perus, na zona norte de São Paulo, possui alguns galpões ainda de pé, muito deteriorados, mas dá pra fazer algumas coisas interessantes.Aquele ponto onde se localiza a Fábrica tem o esqueleto de um centro muito forte. Então imaginei um lugar que tivesse o aspecto cultural com a linguagem que uma comunidade como a de Perus pode aproveitar: uma pequena área comercial de pequenas lojas e lanchonetes; uma área esportiva; uma escola de artesanato; um cinema e um teatro de 200 lugares, além de uma arena aberta para shows.

Eu apresentei esse pequeno projeto. Mas como aquilo é privado, precisa da desapropriação. Aquele núcleo é muito interessante, pois dá pra aproveitar os galpões com uma pequena reforma e adaptar com flexibilidade. Mas acredito que o importante é que o projeto tenha a participação intensa da comunidade. Estou disposto a trocar ideias e experiências com eles, inclusive.

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