publicado dia 15 de fevereiro de 2019
Museus e organizações compartilham ações que visibilizam imigrantes do território
por Cecília Garcia
publicado dia 15 de fevereiro de 2019
por Cecília Garcia
Uma vez por ano, os pátios do Museu da Imigração, em São Paulo, são ocupados por uma profusão multicoloridas de bandeiras e tendas. A Festa do Imigrante reúne saberes como alimentação, dança e artesanato de 50 nacionalidades, todas parte dos diversos fluxos migratórios do Brasil.
Leia +: Conheça 6 feiras imigrantes de São Paulo
Para que a feira aconteça e abarque tamanha diversidade cultural, o envolvimento comunitário é imprescindível, como explica Mariana Esteves Martins, coordenadora técnica do museu: “A Festa do Imigrante foi uma demanda da comunidade abraçada pelo museu: eles queriam um espaço onde pudessem expressar suas manifestações artísticas, numa cristalização da memória de origem.”
Estes desafios que museus, escolas e outros equipamentos enfrentam para visibilizar os fluxos migratórios do território foi o tema do seminário Em Contato: Comunidades, Cultura e Engajamento, que aconteceu dia 14 de fevereiro no Museu da Imigração. Ele foi realizado em parceria com o British Council, o Horniman Museum & Gardens e o Governo do Estado de São Paulo.
O Museu de Imigração tem desde sua fundação estreito relacionamento com a comunidade. A construção era originalmente a Hospedaria do Brás, espaço de acolhimento para imigrantes provindos das ondas imigratórias de 1887. Mesmo quando convertido em museu, em 1993, a relação com o entorno permaneceu forte: “A comunidade sempre sentiu que o museu era seu”, relata Mariana.
Este sentimento de pertencimento culmina tanto na realização anual da festa, que já está em sua terceira edição e cuja organização conta com representatividades dos diferentes grupos migrantes, como também no modo como museu entende e expõe seu acervo.
Também esteve presente no evento o Museu Territorial de Interesse da Cultura e da Paisagem Tekoa Jopo’í, localizado em Perus, composto por uma série de trilhas de aprendizagem sobre o território. Confira a reportagem no Portal Aprendiz: Museu territorial transforma bairro Perus em um território educativo
Uma das práticas institucionalizadas é o projeto Encontros com o Acervo. “Entendemos o acervo por meio de encontros com grupos migrantes, técnicos e outros museus que possam dizer o que esse objeto significa para a comunidade”, explica a coordenadora.
Ter uma relação estreita com a comunidade significou também que, com o passar dos anos, o Museu da Imigração começou a repensar o que significa o conceito de população migrante, muito além da migração branca de meados de 1800.
Assim, o museu tem se lançado ao desafio de repensar a população migrante abordada em suas exposições e eventos, tentando cada vez mais olhar para as populações africanas trazidas compulsoriamente para o Brasil, e também para as novas levas imigrantes, como as latinas.
Um museu em busca da diversidade
Enfrentando problemáticas similares, o Horniman Museum & Gardens, em Londres, acredita que é no próprio acervo e na comunidade que estão soluções para descolonizar o olhar museográfico. Com mais de 300 mil objetos cotidianos de várias partes do mundo, o museu percebeu que poderia usá-los para fazer com que as comunidades migrantes moradoras do entorno pudessem sentir que o museu também pertence a elas.
Nasceu então o projeto Crossing Borders. Quem o explica é Julia Cort, gestora de comunidades do museu: “Todas as atividades públicas, ao invés de serem feitas pelos coordenadores do museu, são planejadas por grupos migrantes da comunidade. A atmosfera do museu muda e diferentes vozes falam sobre sua perspectiva.”
Durante todo um dia, workshops, atividades e apresentações fazem uso de acervo do museu para discutir a diversidade cultural da comunidade. Em 2018, por exemplo, houveram atividades que iam desde contação de histórias sul-africanas até oficinas de tapeçaria com populações árabes.
Para fazê-lo, Julia afirma que o museu precisou sair de uma posição centralizadora a fim de escutar e ouvir as organizações parceiras.
Estudantes migrantes e saberes reconhecidos
O CIEJA (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos) Perus, localizado no bairro homônimo da zona norte paulistana, lida com uma particularidade territorial que molda suas práticas pedagógicas: ? de seus estudantes são migrantes haitianos, oriundos da leva de imigração do país após o terremoto de 2010.
Nos primeiros anos, havia um visível abismo entre os estudantes recém-chegados e os brasileiros. Além da barreira comunicacional – os haitianos eram fluentes em creole, francês, inglês e espanhol – havia também as culturais, que os separavam em espaços comuns como o refeitório e até nas aulas.
Para reverter esse cenário, Cristiane Fialho, educadora do curso de línguas, teve uma ideia: a realização de uma festa intercultural: “Nada melhor do que comida e festa para aproximar as pessoas.”
A feitura da festa já foi, por si só, uma experiência pedagógica única. Educadores e voluntários brasileiros se viam ante especificidades cerimoniais e culinárias da cultura haitiana, além de se confrontarem com questões de seu próprio território. “O fluxo migratório nos fez revisitar a história não só do nosso país, mas ampliar a dos outros. Não se pode esquecer que, enquanto fomos o último país da América a abolir a escravidão, o Haiti foi o primeiro”, declara Franciele Busico, atual diretora do CIEJA.
A festa foi o ponto de partida para compreender como a escola podia ter um plano político pedagógico (PPP) em consonância com as demandas do território, entendendo os desejos da população e adequando suas atividades. As estratégias renderam ao projeto o prêmio Territórios Educativos 2017, concedido pelo Instituto Tomie Ohtake.
Por sua vez, o Programa Saúde na Escola (PSE), projeto que envolveu crianças e famílias migrantes do território do Bom Retiro, em São Paulo, valorizou o potencial da cultura migrante por meio da alimentação com o projeto Sabores e Saberes: Memórias que atravessam tempos e espaços, que uniu diferentes agentes do território, como a escola, equipamentos de saúde e famílias, como relata Dayana Araújo, gestora do programa Cidades Educadoras da organização Cidade Escola Aprendiz.
“De um lado, havia o problema de adaptação alimentar das crianças. Do outro, agentes de saúde preocupados com obesidade infantil e colesterol. E ainda a escola, querendo trocar o cardápio. Então pensamos no saber da alimentação: o que as famílias podiam trazer e como isso se relacionava com suas culturas”, conta.
Assim, o projeto fez um escuta atenta das crianças e das famílias, em oficinas que envolviam também a cozinha da escola e os agentes de saúde: “Escutamos as crianças sobre suas comidas preferidas e fizemos oficinas desses pratos. Também envolvemos as famílias e elas trouxeram não só a culinária, mas hábitos e brincadeiras familiares”.
As aprendizagens foram sistematizadas em uma publicação, na qual receitas das famílias, ilustradas pelas crianças, mostram como a diversidade cultural pode ser usada em prol da educação.
Portal Aprendiz agora é Educação & Território.
×